Poucas cidades no Brasil podem se orgulhar de possuir uma cena de hip-hop tão consistente quanto Curitiba. Prolífica nas mais variadas vertentes do gênero, a cidade ganhou recentemente o primeiro álbum do duo FLAT CWB, o multifacetado Dois.
Cerca de dois anos após seu primeiro lançamento, o EP Vicente Machado, o duo marca sua estreia com um álbum consistente, capaz de fazer um recorte sobre o cotidiano de uma grande cidade a partir do olhar curitibano. A dupla de rappers Ovelha e Xisera passeia por diferentes estilos, como o trap e o boombap, em 12 faixas que, mais uma vez, mostram a força do hip-hop curitibano.
Dois conta com a participação de 11 produtores diferentes, entre eles o mestre Dario, o chileno Neo Beats (um dos mais promissores beatmakers da nova geração) e os sergipanos Silverman Stefan e Victor Leonardo, responsáveis pelo Alive Beats (que já produziu nomes como Haikaiss e URSSO).
De Vicente Machado para o primeiro álbum completo, a FLAT CWB amadureceu e refinou não apenas a parte lírica de suas composições, mas também trouxe um flow melhor lapidado.
Dois conta, ainda, com a participação de Marcelo Dhelete (que produz a primeira faixa e divide “Chegando Como”), Cadelis (na magistral “Golder Morning”, que vai buscar referências em Public Enemy e sua célebre “Harder Than You Think”) e Rafael Skraba (Admirável Clichê Novo).
De Vicente Machado para o primeiro álbum completo, a FLAT CWB amadureceu e refinou não apenas a parte lírica de suas composições, mas também trouxe um flow melhor lapidado, [highlight color=”yellow”]garantindo o pleno domínio de ritmo e encaixe lírico nas batidas das canções[/highlight], ainda que sobre uma sílaba aqui ou ali. Ao trafegar por diferentes estilos, a dupla de rappers curitibanos garante a penetração em diferentes nichos, ousando na elaboração de seu estilo próprio de destilar suas rimas.
O disco inclui uma trinca ele-ela, que vai da balada “Chapa”, ao jogo da sedução de “Dois Lados da Moeda” e a declaração de amor de “Ela”. Se valendo da liberdade estética do gênero, a FLAT CWB também abre a cartela de críticas sobre a política e a classe média. Menos interessados em tomar partido e mais em refletir em que situação nos encontramos, o duo convoca o ouvinte à reflexão sobre o que nos cerca, não poupando ninguém.
“Grandes negócios não tem partido”, cantam em “Mundo 2.0”, uma das melhores de Dois, uma espécie de anti-hino irônico e destemido sobre a polarização, num jogo metafórico em que pouco importa seu lado (“Comece a buscar significado pra se politizar por quem nem tá lá / Proteste até cansar indignado vai eleja um candidato pra cê criticar”), mas que se esforça em colocar alguns pingos nos is enquanto também põe o dedo na ferida e critica o “ativismo de sofá”. “Dirija seu carro parcelado na cidade sem notar mais um desabrigado embriagado se matar mas / você faz sua parte e tem compartilhado várias matérias, denúncias, alarmes e piadas / Ideias, posturas, alardes, risadas, procura nos shares o aval de internautas pra tar com a razão e defender sua causa sem causa mas calma”.
Nesta organicidade de temas presentes no disco, Ovelha e Xisera deixam sua marca em cada verso, sendo transparentes até na hora de imprimir ironias e outras figuras de linguagem em suas composições. À margem de um discurso profético ou pretensioso, o duo demonstra como o rap pode ser vários em um só. [highlight color=”yellow”]E principalmente orgânico, como a própria música – ou a vida que retratam[/highlight].