Sempre é hora de falar sobre Velvet Underground & Nico, primeiro álbum do Velvet Underground, lançado em 1967. A minha desculpa para tocar no assunto tem a ver com um livrinho (no melhor sentido) que acabei de ler. O livro do disco – The Velvet Underground & Nico, do músico e produtor americano Joe Harvard (Joe é fundador do Fort Apache Studios, conhecido por produzir várias bandas alternativas) tem poucas páginas, é baratinho e após a leitura ganha status de necessário. Faz parte da coleção “33 1/3”, da editora britânica Bloomsbury.
A ideia de colocar em uma publicação a vida de obras musicais indispensáveis teve início lá fora em 2003, mas só ano passou ganhou tradução para o Brasil, sendo lançada pela editora Cobogó.
A obra é um traçado de questões bem pontuais: o peso da figura de Andy Warhol sobre o Velvet Underground, o processo criativo da banda e informações sobre gravação e produção do álbum. Uma das primeiras considerações da fala de Harvard que podemos levar em conta é o fato de que, realmente, o material produzido pelo Velvet Underground deve ser tratado como uma exploração da arte.
E arte não pelo fato de Andy Warhol estar presente em vários contextos da vida da banda. Não que ele tenha os influenciado por meio de sua obra. A arte do Velvet vem da vida de rua, de quartos sujos, seringas usadas, sexo ruim e tudo mais que culmina em uma eletricidade que o álbum gerou na época e expele até hoje.
Quando Andy e o Velvet se conheceram a banda já estava pronta, toda traçada pela genialidade turbulenta de Lou Reed, embasada pelo talento de John Cale e finalizada com a maestria de Sterling Morrison e Moe Tucker.
Quando Andy e o Velvet se conheceram, a banda já estava pronta, toda traçada pela genialidade turbulenta de Lou Reed, embasada pelo talento de John Cale e finalizada com a maestria de Sterling Morrison e Moe Tucker. Exceto por um último ingrediente adicionado por Warhol: era doce, belo e com um forte sotaque alemão. Era Nico. A moça que tirou Lou Reed do sério.
Não só porque ele não queria dividir os vocais com ela, mas porque Nico tornou-se mais uma obsessão de Lou. Já não bastassem todas que cultivava. Mesmo que Reed fosse apaixonado por Nico (e era), o primeiro álbum do Velvet não era o desenho de uma história de amor. Era a história da fúria.
Se as letras de VU & Nico são uma espécie de visão do inferno, “musicalmente” falando, o som a que ele remete vem de um efervescência mais leve. Lou Reed, em particular, apreciava o doo-wop, a soul music, artistas como Booker T. and the MGs e seu guitarrista Steve Cropper. Ele e Morrisson também eram fãs de Mickey & Sylvia e Chuck Berry. Prestavam atenção nas guitarras de Keith Richards e no blues de Bo Diddley.
Harvard cita no livro o pacto da banda quanto ao blues – “se qualquer um tocasse uma estrutura do estilo era multado. A banda evitava a apropriação. Era adepta da reinvenção.” Por conta disso, você pode não enxergar esses sons na música de Velvet. Aí é que entra a excelência do álbum. O retrabalho, a costura com nuances diferentes de qualquer coisa que você tenha, ou não, ouvido.

A perversidade de “Sister Ray”, a vestimenta de canção-lobo em pele de cordeiro de “Sunday Morning”, a chibatada que vem de “Venus in Furs”, o pico de “Heroin”. É incrível pensar que em pleno 1967 houvesse gente que se ofendia com o teor das letras do VU. Reed e Morrison, os caras que deram duro para ver VU & Nico nascer, que doavam sangue, serviam de modelos para cartazes de filmes pornográficos e viviam à base de mingau de aveia porque não conseguiam viver da música, tiveram, ainda, que enfrentar a hostilidade que vinha de todo canto – gravadoras, imprensa, mídia, público. E também a concorrência com St. Peppers and the Lonely Hearts, dos Beatles, lançado no mesmo ano.
Duas noites, três noites, três dias, quatro dias, dois mil, três mil dólares. Essas são questões que até hoje criam certa dúvida com relação à produção de VU & Nico. A bem da verdade, depois que você entra no labirinto do álbum, o fato parece irrelevante. Mas em O Livro do Disco, Harvard ganha o mérito de ir fundo ao assunto e explicá-lo.
Andy Warhol foi creditado como produtor do álbum, mesmo não tocando em sequer um botão da mesa de som. A tarefa coube a Norman Dolph (que foi pago com quadros de Andy), Tom Wilson e ao primoroso trabalho do engenheiro John Licata. Mas Andy foi quem ajudou a criar o clima no estúdio. Nas palavras de Harvard, “Andy produziu os produtores”. Plantou-se ali e deixou toda a sujeira entrar. Tire a barulheira, os overdubs, o caos das canções e as letras incômodas e veja o que sobra. Sobra só mais uma banda como outras que havia na época. Assim, inclua Andy Warhol em suas orações.
Eu não ouvi VU no auge da adolescência. Fui ouvir no auge das influências. Quando percebi que quem eu ouvia incansavelmente havia se inspirado na banda, fui atrás. E, diferentemente de Iggy Pop, que confessou ter odiado o álbum na primeira audição, tomando gosto por ele somente seis meses depois, eu senti, de primeira, uma fisgada, um repuxo.
A coleção O Livro do Disco também conta com outras edições que podem lhe agradar – Daydream Nation – Sonic Youth e algumas com assuntos brazucas.
THE VELVET UNDERGROUND AND NICO – VELVET UNDERGROUND | Joe Harvard
Editora: Cobogó;
Tradução: Thiago Lins;
Tamanho: 152 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2014.
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