Minha eterna crise de Peter Pan me fez tomar uma das decisões mais incríveis dos últimos anos em relação ao meu bem-estar. Eu comecei aulas de bateria, resolvi que era hora de formar uma banda e finalmente poderia ter alguma coisa além-profissionalismo para me especializar sem pressões do mercado vindo.
Fiz a aula experimental, depois me matriculei, comprei as baquetas e proferi ao meu professor a seguinte frase absurda: aqui vai nascer o próximo Bonham.
Por mais risível que tudo isso possa parecer, eu era mais um dos apaixonados pela técnica, pela consistência e pelo talento de John Bonham, que completou 36 anos de morte no último domingo. “Bonzo”, como era conhecido pelo mundaréu de fãs, foi um dos bateristas mais inspiradores do rock. Sua forma de tocar era mesmerizante e os elementos de jazz, dotados de bumbos consistentes e improvisos de deixar o queixo caído serviu de escola para uma legião de bateristas que viria pela frente.

Ainda que pudessem surgir bateristas mais rápidos, técnicos ou girando baquetas na velocidade da luz, Bonham tinha em sua forma de tocar uma assinatura que era reconhecível a quilômetros pelos ouvidos afiados.
Sua forma de tocar era quase inigualável. Ainda que pudessem surgir bateristas mais rápidos, técnicos ou girando baquetas na velocidade da luz, Bonham tinha em sua forma de tocar uma assinatura que era reconhecível a quilômetros pelos ouvidos afiados. Uma ressoada da baqueta na caixa naquele jeito e você sabia que era Led Zeppelin e ninguém mais.
Minha surpresa maior foi quando ouvi em Hollow Bones, da banda Rival Sons, uma proximidade muito grande nas faixas de bateria. O álbum, lançado esse ano de 2016, deixou os fãs do grupo histéricos pela qualidade sonora, mas ninguém havia comentado essa proximidade sonora que não consegui tirar da mente durante os 50 minutos que passei ouvindo o disco.
Há muito tempo o Rival Sons tem sido a esperança da crítica especializada como o novo Led Zeppelin. Claro que a comparação pode ser absurda para alguns, mas em critérios específicos dá para entender o porquê. E a banda corresponde em faixas com uma afinação bem próxima, com o jeito caótico e oculto de ser do quarteto britânico. Mas em Hollow Bones, Michael Miley surpreende por reproduzir o que seu mestre provavelmente faria.
Ao invés de tentar copiar Bonzo, Miley apenas trilhou o mesmo caminho musical e criativo do ídolo. Dessa forma, deu aquele tempero saudoso típico de Led, mas sem perder em nenhum momento a originalidade de sua própria banda.

A crítica é positiva e quase unânime: Hollow Bones é um dos grandes álbuns de 2016. Suas sonoridade é crua e revisita a escola que influenciou o blues-rock do grupo californiano; as guitarras choram gentilmente em solos bem elaborados e que conduzem a música. Mas ao fundo mora aquela paixão icônica.
Os contratempos e os improvisos são fundamentais nas faixas gravadas por Mike. E junto deles, vem o que sempre deixou Gregg Bissonete (do David Lee Roth) impressionado, que era o talento com os pés e com se sentir à vontade por trás de seu kit.

Penso que mesmo que passe muitas vezes despercebido, o encantamento do álbum é justamente o lado da banda que se reinventou. Enquanto a veia pesada e intensa se manteve, a bateria mudou para melhor e ao modo Bonzo de ser. A proximidade das técnicas usadas por Miley dá um quê saudoso que mostra John Bonham mais do que vivo no coração dessa nova geração do rock.
Hollow Bones é mais que um álbum indescritível. É um tributo a um dos bateristas mais lendários do gênero do rock, recriado por um músico que conseguiu recriar a atmosfera de Led Zeppelin mesmo sem chamar tanta atenção.
E o que podemos dizer, depois de sermos surpreendidos por essa aula de bateria, é que Bonzo, lá de cima, certamente está feliz com o resultado.