Em setembro de 2011, a internet foi tomada por uma onda de pesar, lamentação e saudades instantâneas pelo que havia acabado de chegar ao fim sem aviso prévio: o R.E.M. Eu fui um daqueles que descobriu a banda tardiamente, em 2000, por meio de um The Best Of e, logo depois, pelo álbum Reveal (2001), ambos de minha irmã mais velha. Mas acabei explorando a discografia pregressa e vindoura dessa banda norte-americana com uma curiosidade e voracidade maiores do que às da dona daqueles CDs que ouvi até riscar, o encarte amassar, a embalagem plástica quebrar.
Quando o R.E.M. anunciou que ia se separar – e era sério –, logo depois de lançar um incrível último disco que nem turnê teve, eu quase chorei por Michael Stipe (vocal e letras), Bill Berry (bateria), Mike Mills (baixo) e Peter Buck (guitarra). Quase.
Recentemente, a saudade foi abrandada pelo lançamento do R.E.M. by MTV, um documentário que aproveita entrevistas e aparições da banda na emissora musical para recapitular toda a história de um dos grupos mais ímpares do rock alternativo, que se juntou para tocar em uma festa de escola que aconteceria em uma igreja abandonada, e virou uma banda que logo no primeiro ensaio já compôs três músicas. Após a tal festa, não se separaram e saíram tocando em tudo quanto era lugar, inclusive em boates gays de música disco. Segundo contam no documentário, começaram a perder muitas aulas e alguns membros do R.E.M. foram convidados a sair da faculdade, mas perceberam que poderiam viver da música, um dilema que muitas bandas enfrentam até hoje em todo o mundo. Aliás, o primeiro single do quarteto saiu em 1981, o mesmo ano em que a MTV foi criada.
É fato que não faz tanto tempo assim que a banda se separou e alguém pode questionar a validade de um documentário sobre eles. Mas há uma série de fatos sobre o R.E.M. que o filme traz à tona e pode servir de inspiração para muitas bandas novas ou mesmo as experientes. Para começar, a cena de abertura é um jovem Michael Stipe, ainda com cabelo, dizendo que poderiam fazer músicas fáceis e acessíveis que toda rádio adoraria tocar, mas eles simplesmente decidiram não seguir por esse caminho. O Stipe dos anos 80 tinha uma dicção complicada, o que tornava muitas das letras quase ininteligíveis. Além disso, nunca fica muito claro sobre o que exatamente são as letras do R.E.M. Sobre “Losing My Religion”, já vi uma interpretação afirmando que fala de virgindade e outra que acha que é sobre a perda da fé.
Há uma série de fatos sobre o R.E.M. que o filme traz à tona e pode servir de inspiração para muitas bandas novas ou mesmo as experientes.
Nos primeiros 4 álbuns, o R.E.M. foi beneficiado pelas rádios universitárias dos Estados Unidos que tocavam suas músicas. Era o ambiente perfeito para o rock alternativo dos jovens de Athens, Georgia. Só com Document (1987) conseguiram aliar o estilo que já praticavam com as rádios comerciais e emplacaram o primeiro grande hit, “The One I Love”. A certeza da banda é que não se trata de uma canção de amor. Mas como ninguém sabe realmente sobre o que ela é, Peter Buck resume, dizendo que para ele é sobre Mi menor, Dó, Sol e Ré, fazendo alusão aos acordes usados na música.
Há dois momentos no documentário que atestam estratégias brilhantes da banda, que deveriam servir de guia para qualquer artista. Primeiro: embora Michael Stipe seja o letrista da banda, ele fez questão de registrar cada música do grupo como uma composição do R.E.M. e não de membros individuais. O cantor conhecia a história de muitos artistas e sabia que direitos autorais causam discórdia e separam as bandas. Segundo: quando assinaram contrato com a gravadora IRS, levaram em conta os artistas que a empresa já tinha no catálogo (todos alternativos) e um estilo de administração que permitiria ao grupo fazer o que quisesse, controle criativo total.
![R.E.M. by MTV](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2015/07/rembymtv1-1024x576.jpg)
Está no documentário também, por exemplo, como a fama foi aproveitada por Michael Stipe para que levantasse bandeiras importantes como a questão ecológica, os rumos da política dos Estados Unidos, o desarmamento, entre outras, tornando-se um ativista muito diferente das várias celebridades que aproveitam a fama para meramente ostentar um estilo de vida arrogante e vazio. Também veio à tona a homossexualidade do cantor, que acabou evidenciando como suas músicas não tinham gênero – nunca fica claro se é o ponto de vista masculino ou feminino, permitindo que qualquer um absorva a letra para si mesmo.
Há uma história interessante envolvendo o Michael Stipe e Thom Yorke (vocalista do Radiohead) que, infelizmente, não está no filme. Durante a turnê de Monster, o Radiohead foi banda de abertura para o R.E.M. e Yorke aprendeu alguns truques sobre como ser frontman observando Stipe distanciar-se do público enquanto cantava, ao mesmo tempo em que colocava todo o seu ser na performance da canção. E há ainda a amizade que nasceu entre Kurt Cobain e Michael (o R.E.M. não sabia que o líder do Nirvana gostava tanto assim da banda até ele citá-los em uma famosa entrevista para a televisão). O grupo estava gravando seu próximo álbum, mas pararam de trabalhar assim que souberam da morte de Kurt. Segundo Stipe, a morte dele foi como “perder um aliado no mundo da música”.
![Michael Stipe, vocalista do REM, usou a fama para levantar bandeiras políticas e sociais](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2015/07/REM_shot_by_Kris_Krug_at_South_by_Southwest-1024x683.jpg)
O documentário, dentro de suas limitações (já que é composto apenas de material da MTV), consegue deixar claro como o R.E.M. conseguiu ser o que qualquer banda séria gostaria: a voz de uma geração. Eddie Vedder, do Pearl Jam, ao apresentá-los na cerimônia do Rock’N’Roll Hall of Fame, em 2007, disse que a banda “ajudou a descobrirmos o que tínhamos dentro de nós, e sem saber nada do que ele estava cantando”.
As leves mudanças de estilo de sua música (às vezes mais acústica, às vezes mais elétricas) sem nunca perder a essência ética e estética, a forma como lidavam com o sucesso, a influência que exerceram sobre tantas bandas novas e, principalmente, todos os caminhos que abriram para a música alternativa em rádios e na própria televisão mainstream: tudo isso, mesmo que resumidamente, fica bem marcado em R.E.M. by MTV. Um convite para (re)descobrir a banda e lembrar que música não é só entretenimento, mas também pode ser uma poderosa ferramenta cultural agindo na formação crítica e emocional de um indivíduo.