Um fluxo de escrita sobre peculiaridades cotidianas e um certo ceticismo em relação ao mundo, uma sensibilidade emocional e social presente em cada palavra dita e acorde tocado, uma voz e forma de cantar que passeia entre Courtney Barnett, Juliana Hatfield e Cat Power. Uma presença quase punk displicente cool entre Velvet Underground e Pavement. Três garotas de Melbourne, na Austrália, merecem todas essas comparações com grandes nomes da música.
Repito com frequência que, no ostracismo do rock na música popular atualmente, é nas beiradas e numa cena underground cada vez mais forte puxada pelo rock alternativo inspirado em bandas dos anos 90 e pelo emo revival das bandas do meio-oeste norte-americano que vive o que de mais original é feito atualmente no rock. Bandas como Tigers Jaw, The Hotelier, Modern Baseball, Real Friends e The World Is a Beautiful Place & I Am No Longer Afraid to Die lançaram alguns dos melhores discos de rock dos últimos dois anos e ganharam certa fama por isso.
Mas voltamos então às três garotas australianas, pois elas não se tornaram tão populares na cena quanto as bandas citadas, mas é delas um dos melhores álbuns lançados em 2016 que merece ser resgatado e ouvido. Falo da Camp Cope – formada por Georgia Maq, Kelly-Dawn Hellmrich e Sarah Thomo -, que lançou no ano passado o seu primeiro disco autointitulado pelo selo independente australiano Poison City Records.
Em um momento de novas bandas surgindo a cada mês no circuito independente de rock alternativo e emo, a Camp Cope é uma das bandas que mais me surpreenderam recentemente. As letras longas e extremamente bem escritas, com um certo senso de humor cético pincelado nos momentos tristes – no melhor estilo de outra roqueira de Melbourne, Courtney Barnett – vem na voz incrível de Georgia Maq, que consegue variar de um canto leve e sutil quase envergonhado até uma explosão rasgando o peito.
Elas não se tornaram tão populares na cena quanto as bandas citadas, mas é delas um dos melhores álbuns lançados em 2016.
As canções são tristes, não tem como negar, em momentos até pesadas, lembrando algo como Carissa’s Wierd, mas têm um toque de esperança no final. Georgia Maq analisa a vida, rotina, amores, decepções e a vergonha, tudo numa prosa poética afinadíssima, seja no rock de “Done” ou na balada romântica-heartbroken de “West Side Story”, em que a garota encarna uma Cat Power em começo de carreira.
Na incrível “Flesh and Electricity”, Georgia narra as experiências que teve trabalhando como enfermeira em Melbourne e como isso a deixou menos sensível. “Eu poderia te olhar nu e tudo que eu veria seria anatomia”, canta no refrão. Mas mesmo quando canta sobre sua frieza, Maq é emocionante. Toda a harmonia das canções envolve e empurra a voz dela para o destaque, e parece que cada estrofe botada para fora veio, realmente, lá de dentro.
A pessoalidade das letras até entrega que a Camp Cope era, inicialmente, um projeto solo de Georgia Maq (é fácil encontrar no YouTube vídeos dela cantando sozinha várias canções presentes no disco).
Mas o que faz do álbum algo tão surpreendente é que tudo combina. Se são canções escritas para a vocalista cantar sozinha, ganharam vida junto dos outros instrumentos e da atitude do trio de garotas. Há um clima e uma qualidade estética que conversa em todas as faixas e que chama ainda mais a atenção por ser um disco de estreia. É uma banda com algo a dizer – e algo sobre o que cantar – e com talento de sobra.
NO RADAR | Camp Cope
Onde: Melbourne, Austrália.
Quando: 2015.
Contatos: Facebook | Bandcamp | YouTube
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