Há uma nova leva de artistas navegando pela MPB com uma visão mais plural para esta sigla, que ao longo dos anos ficou tão vazia de sentido. Se a MPB nas últimas décadas passou a significar tudo e nada ao mesmo tempo, podemos dizer que alguns novos nomes enxergaram aí a possibilidade de desenhar uma nova interpretação. Ailum, a assinatura de Marano, baixista d’A Banda Mais Bonita da Cidade, em sua aventura solo, se inclui neste grupo.
Enquanto o rock sofre com a dificuldade do público em aceitar o experimentalismo, a nova MPB parece, justamente, procurar esse DNA inventivo. Nossa música nunca foi nada além de uma deliciosa combinação de elementos de distintas origens, e enquanto alguns ainda insistem em pregar um purismo, a esmagadora maioria encara com altivez e força essa nova forma de expressão – ainda que, em essência, ela não possa ser chamada de nova. Ailum sabe disso, e faz questão de mostrar as diferentes tessituras em seu álbum de estreia, Quem Me Salvará Sou Eu.
Cada elemento acrescido ao disco confere certa universalidade às composições, ao mesmo tempo em que não deixa de exalar uma forma muito poética e labiríntica que os músicos brasileiros têm de colocar em suas músicas.
O músico tem como principal virtude no disco a habilidade em costurar diferentes musicalidades, ritmos, sem resvalar em pedantismo. Com tantos elementos díspares, a narrativa de Quem Me Salvará Sou Eu não titubeia em nenhum instante. Cada elemento acrescido ao disco confere certa universalidade às composições, ao mesmo tempo em que não deixa de exalar uma forma muito poética e labiríntica que os músicos brasileiros têm de colocar em suas músicas. Trata-se menos de que os outros não o façam e mais de que é uma característica intrínseca aos músicos que não aceitam menos que uma visão original sobre a arte através da qual se expressam.
Ailum não foge do risco, o que por si só já é digno de elogios. A fuga do lugar-comum na música, bem evidente em um gênero que a tudo aceita, como é o caso da MPB, é, sem sombra de dúvida, a escolha mais inteligente, ainda que raramente vejamos obras que visem contemplar forma e conteúdo. Também é importante lembrar que emergir do marasmo que parece não desgrudar do que é tradicional em nossa música funciona, ainda, como uma válvula de escape do trabalho de Marano n’A Banda Mais Bonita da Cidade. Perceba: válvula de escape e não escapismo.
O que une projetos como Galanga Livre, de Rincon Sapiência, e Caravanas, de Chico Buarque, é a compreensão sobre a multiplicidade da música popular brasileira, um conceito que une elementos dissemelhantes, mais do que represente uma singularidade de toques, arranjos. Ailum e seu Quem Me Salvará Sou Eu fazem exercício semelhante, olham para dentro desse furacão cultural que é o Brasil e busca tirar dele ingredientes que traduzam: artista, arte e país. Inegável o poder da música e do que Marano nos provoca com sua estreia.