“Tudo o que é bom dura pra sempre”. Vi essa frase em um anúncio e achei que ela poderia me ajudar a criar uma linha de pensamento para o termo retrô, em particular na questão da música. Retrô é coisa do passado, como dizem. Mas vive no presente, ou seja, alguma coisa boa, duradoura, deve ter nesse lance pra ele ter voltado, ou nunca ter ido embora.
Tomo como exemplo a música inglesa dos anos 1980. Na linha do tempo é retrô, mas continua rondando, ganhando espaço sem pedir muito. Foi nessa década que descobri tantas coisas interessantes e eternas: homens de maquiagem ficam mais interessantes; o baixo, instrumento às vezes ofuscado pela guitarra, pode fazer uma música ser perfeita e ”do it yourself”, mais do que um mantra do punk rock, significa você beber a noite toda sem gastar um tostão.
Uma década, em um conceito de aprendizado ou de experiência, realmente precisa durar dez anos?
E falando em década, será que, em um conceito de aprendizado ou de experiência, realmente precisa durar dez anos? Com certeza, não. Ela pode durar o quanto você quiser habitá-la. Enquanto valer a pena. Enquanto ela te preencher, sustentar seu tempo e ser uma extensão dos seus modos. Enquanto ela provocar a sensação de que a materialidade da música ganha outra forma, deixando de ser apenas um lance comercial e passando a ser algo fora da normalidade, mesmo que a agulha encoste-se ao vinil mil e uma vezes.
Sou da época (isso soa tão “tia”, mas não achei termo melhor) em que a gente vivia em função de um vinil por dias, meses. Era assim, até porque se você não fosse cheio da grana e vivesse de uma mísera mesada, não havia uma quantidade tão grande de bolachas pra apreciar em períodos curtos.
Uma alternativa era levar uma fita cassete em uma loja de discos no centro da cidade e pagar uma grana pra eles gravarem nela um disco importado. Pra conseguir uma NME, Melody Maker, The Face, nossa, tinha que ser amigo de algum distribuidor ou de um amigo rico que fosse passar férias em Londres. Ainda bem que tínhamos a Bizz, Som Três, Roll que já salvavam.
Tristeza, agonia, melancolia. Tudo era fácil de encontrar. Estaria em uma canção do Joy Division, Durutti Collumn ou dos Smiths ou em uma roupa preta. Não sei como é agora, mas eu sempre achava que havia música que pedia cigarro, taça de vinho. Aquela que te fazia amar, odiar e perdoar, não exatamente nessa ordem. Diante disso, como alguém pode abandonar o Punk, o New Romantic, o Pós-punk? Sem condições.
Por mais que eu ouça todos esses estilos nas bandas mais atuais (e vamos e venhamos, às vezes até “inspirado” demais) nada como beber da fonte. Até porque a fonte está em forma de vinil. E não há no mundo chiado melhor do que o da agulha encostando-se em um disco.
Além do que, eu sempre me pergunto, será que alguém consegue dominar a música de várias décadas? Transitar pelos mais variados estilos, ouvir muito do que temos hoje e continuar lembrando-se do passado, fazer conexões de uma banda de uma época que passou com outra atual? Conheço (poucas) pessoas que fazem isso de forma brilhante.
Essa questão responde a uma pergunta que talvez você queira me fazer. Sim, eu ouço música dos anos 1990, 2000 e do século 21. Já inventei de querer saber de tudo, ouvir tudo. Andei rápido demais, a ponto de um dia sentir vontade de voltar pros vinis que há tempo não colocava pra tocar.
E, claro, me encantei com muitas bandas atuais. Algumas se tornaram de cabeceira, preencheram minha prateleira. Mas uma coisa mudou. Não há mais aquela obsessão. Não procuro mais um herói de preto e cabelos espetados. Tornei-me uma visitante em cada década nova que chega.
E pra provar que nada do que eu escrevi é sem nexo, dê uma olhada no vídeo que acompanha essa matéria. É o último desfile da marca Valentino que aconteceu na mais recente Semana da Moda de Paris – outono/inverno 2015-2016. Se Valentino ainda cai nas graças dos anos 80, se ele é retrô, por que não podemos ser?
Semana que vem estou de volta. Falando sobre música e todas as suas vertentes. E, sem medo de ser feliz, de falar com carinho maior à música que toca na terra em que o chá é servido pontualmente às cinco da tarde.
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