Passados tantos anos, guardo poucas lembranças de meu período vivendo no nordeste. Se faço esforço para recordar João Pessoa, parece que ele acaba sendo em vão. Não por mal, garanto. Acontece que, 11 anos depois, a memória já é falha. Entretanto, no mergulho profundo por conhecer a música neste país de dimensões continentais, tive o prazer de relembrar as belezas que a distância geográfica não permitem que veja (ou, neste caso, ouça) com a frequência merecida.
A banda-fôrra me tirou da gelada Curitiba para oferecer um passeio através de seus riffs pela calorosa João Pessoa. Psicodelia terra brasilis: tropicalista, modernista e, necessariamente, antropofágica.
A banda-fôrra é formada por Gustavo Limeira, Ernani Sá, Hugo Limeira, Lue Maia e Matteo Ciacchi. O EP lançado no último ano, o homônimo banda-fôrra, prenúncio do full-length que nascerá neste 2016, é lírico como Augusto do Anjos, improvisador como Mestre Azulão, provocador como Geraldo Vandré e psicodélico ao extremo, como nossas raízes tropicalistas foram capazes de ser. Mas rotular o grupo como “uma banda paraibana de música brasileira” é reduzir a entrega, o carinho e a dedicação com que a banda-fôrra lava a alma no palco.
Esse hibridismo musical que dá personalidade única ao grupo em meio a uma cena musical tão multiforme quanto a brasileira.
A riqueza sonora é resultado de um processo de digestão de elementos muito característicos da cultura local, associados à universalidade do rock e suas vertentes, e o encontro com arcaísmos do português antigo, tal qual o nome do grupo, termo que era utilizado para batizar escravos nascidos de pai branco e mãe negra escrava.
E o quinteto vai além, costurando mestres da psicodelia e do progressivo, fazendo tudo de modo bem libertador. E ao regurgitar tudo isto, a banda-fôrra cria um cenário sem “Máscara”, bem “De Cara”, justamente “Quando” o “Simples” nos gera um “Momento/Movimento” propício a conhecermos o que cada pedaço desse Brasil faz. Vamos na “Saideira“?
Não à toa, o grupo é um dos escolhidos para abrir os shows da turnê de lançamento do novo álbum dos goianos da Boogarins. O diálogo entre a sonoridade dos dois grupos é facilmente notado, mais uma amostra de como 2015 foi um ano frutífero e acolhedor à psicodelia brasileira (vale lembrar o incrível Fortaleza, dos cearenses do Cidadão Instigado), ou neo-psicodelia, como alguns veículos têm chamado.
Em entrevista ao portal Monkeybuzz (leia aqui), Gustavo deixou clara a despreocupação do grupo quanto a rótulos. “Tem um texto em que Darcy Ribeiro diz que um dos traços mais marcantes da cultura brasileira é a busca de uma autenticidade que nunca é alcançada”, comentou. “A música brasileira dialoga com a música internacional quando se despreocupa em parecer brasileira. Fazemos música brasileira, paraibana, mas sem estereótipos geográficos”, finalizou.
E é esse hibridismo musical que dá personalidade única ao grupo em meio a uma cena musical tão multiforme quanto a brasileira. Afinal, o Brasil é um caldeirão de efervescência cultural, onde ritmos, formas, conteúdo e gente se encontram diariamente, fazendo em nossos tímpanos um eterno festival.
NO RADAR | banda-fôrra
Onde: João Pessoa, Paraíba.
Quando: 2014
Contatos: Facebook | Soundcloud | YouTube | Bandcamp
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