Estranheza, essa foi principal sensação misturada à surpresa no dia 16 de julho. Sem nenhum aviso prévio, o Wilco jogava na internet para download gratuito um novo disco após quatro anos. O nome do álbum, Star Wars, na capa, o desenho de um gato branco ao lado de um vaso de flores. Nada fazia muito sentido e o choque foi ainda maior ao dar o play na primeira canção. “EKG”, um minuto e dezesseis segundos de guitarras distorcidas e barulho. O que estava acontecendo? Demorou alguns minutos, algumas canções, alguns riffs de guitarra e algumas frases de Jeff Tweedy para entender. O Wilco havia nos surpreendido mais uma vez.
Para muitos o grupo dispensa apresentações. A banda liderada pelo gênio Tweedy é uma das melhores e mais interessantes da sua geração, desde meados dos anos 1990. Além da qualidade e consistência, que a coloca num nível acima dos demais, o Wilco não cansa de buscar sons originais e surpreender. Do mesmo jeito que surpreendeu em 2002 com o já clássico Yankee Hotel Foxtrot, o sexteto busca algo diferente em cada álbum, sem perder a essência de alt-country da sua raiz e do Uncle Tupelo, onde Tweedy começou.
Star Wars é totalmente oposto ao seu antecessor, The Whole Love (2011). Aqui o Wilco soa despretensioso, faz músicas curtas e um álbum de pouco mais de meia hora. Enquanto boa parte dos últimos discos da banda possuía produção impecável, Star Wars soa quase lo-fi como o Pavement soava na década de 1990, tem barulhos como o Flaming Lips, tem um tom extremamente alternativo para uma banda que tem até o seu próprio festival. Como bem observou o colega e editor d’A Escotilha Alejandro Mercado, o disco traça com clareza um lado A e um lado B, como um bom e velho vinil. “You Satellite”, quinta faixa, faz a transição entre os lados, encerrando o tom barulhento com um clima quase de space rock, para dar espaço à bela “Taste the Ceiling”, que no primeiro acorde nos faz pensar: esse é o Wilco que eu conheço. A faixa é a cara da banda e lembra até uma canção mais antiga do grupo, “Candyfloss”, do álbum Summerteeth (1999).
A banda faz aqui um trabalho perfeito de coerência da sua trajetória, reafirmando que não é um grupo de sucesso que apenas repete uma fórmula que deu certo.
Daqui pra frente, Star Wars é o Wilco sendo simplesmente o Wilco, revisitando seus discos anteriores e mostrando uma versão repaginada do seu som. O tom lo-fi segue, dando um clima novo à músicas que conseguimos relacionar com outras obras de discos como A.M. (1995) e A Ghost Is Born (2004). Há belas baladas acompanhadas de piano, rock com clima country, há experimentação em todos esses gêneros e há o Wilco que conhecemos tão bem. A banda faz aqui um trabalho perfeito de coerência da sua trajetória, reafirmando que não é um grupo de sucesso que apenas repete uma fórmula que deu certo (num exemplo simples, o que o Foo Fighters faz) ou uma banda que chuta o balde e faz algo do zero. Star Wars é novo e inédito na carreira do Wilco, mas é possível perceber nele pedaços de tudo que o grupo já fez em mais de 20 anos de carreira.
A sequência da balada “Where Do I Begin” e de “Cold Slope” são provavelmente o ponto mais alto do álbum, fechando uma série de grandes canções e encaminhando o fim do disco. A primeira traz uma bela letra reflexiva de Tweedy sobre singulares e plural – eu e nós – enquanto a segunda cresce aos poucos, despretensiosa, numa combinação de poesia e guitarras que só o Wilco faz tão bem.
Talvez não seja nem um disco para ficar entre os melhores do grupo, mas Star Wars surpreende por colocar a banda num nível altíssimo mesmo quando quer soar menor. A reação do público com o anúncio do álbum já mostra o quanto o Wilco significa para os fãs, uma banda que ganhou e faz jus ao status cult, e que não para de fazer boas músicas. Às vezes esperamos que as grandes bandas, depois de um tempo, apenas não estraguem o que deixaram de bom, mas com o Wilco a preocupação não precisa existir. A banda já deixou a sua marca na história e tirou o pé do acelerador, mas quando se junta sabe fazer arte.