Na noite de ontem, 30 de março, artistas do mundo da música lançaram de forma oficial a plataforma TIDAL em Nova York. Oficialmente a empresa já existia, porém, foi adquirida e relançada por Jay Z em outubro de 2014. A plataforma é liderada por artistas como Madonna, Rihanna, Beyoncé, Chris Martin (Coldplay), Calvin Harris, Alicia Keys, a dupla Daft Punk, o próprio Jay Z, entre outros.
Com o interesse de competir com serviços de streaming hoje já existentes (Spotify, Deezer e Rdio, por exemplo), o TIDAL aposta no fato de ser a primeira empreitada capitaneada 100% por artistas (mesmo que isso não seja de fato uma verdade, já que na sociedade constam os fundadores da empresa antes da aquisição pelo rapper estadunidense) e que pretende aproximar músicos e o público.
O grande objetivo por trás de tal manobra é poder lutar por um pagamento maior de royalties. Hoje, o Spotify, maior empresa de streaming de música do mundo, paga em torno de US$ 0,006 por cada execução. Segundo dados fornecidos à imprensa, cada um milhão de execuções rende entre US$ 10 mil e US$ 14 mil.
Para os artistas, isto ainda é pouco. Em outubro de 2014, a cantora Taylor Swift rompeu com o serviço de streaming alegando que a remuneração era demasiadamente baixa. Desde então, outros artistas seguiram o mesmo caminho.
Pensando nisto, Jay Z e sua trupe apostam em um novo modelo que acaba com as contas gratuitas, o que, segundo suas palavras, fará com que o público torne a respeitar os artistas e a valorizá-los.
Ao que parece, as cabeças responsáveis pelo TIDAL pararam no tempo e por lá ficaram. Para que vocês compreendam melhor, a afirmação merece uma devida explicação.
2003, o canibalismo musical e o público pagando a conta
Ao retirar o formato gratuito do streaming, ao invés de incentivar o consumo consciente de música, remunerando os artistas e, ao mesmo tempo, permitindo que os fãs desfrutem da obra de seus ídolos, Jay Z e cia alimentam o mais nefasto canibalismo musical, ou seja: sobrevive quem tem mais cacife. E isso vale para gravadoras e artistas.
O choque causado pelo Napster levou a inúmeras fusões na indústria fonográfica e a um outro tanto de falências, em especial nos pequenos selos. As falências não se limitaram às corporações. Artistas também tiveram sua saúde financeira afetada em decorrência do decréscimo das vendas.
Acontece que quem se envolve com o mercado da música sabe há tempos que os artistas têm sua maior remuneração oriunda dos shows. Ao acenar com a possibilidade de aumentar seu faturamento, cessando assim a livre execução de músicas e álbuns (afinal, alguns artistas como Taylor Swift já retiraram sua obra do Spotify e migraram para o TIDAL), os músicos penalizam a pedra fundamental de seu sucesso: o público.
Mesmo que o valor sugerido pelo TIDAL (US$ 9,99 no plano básico) não pareça tão maior que seus concorrentes (Spotify sai por US$ 4,99), num contexto mais amplo ele demonstra que artistas e gravadoras mudaram de lugar, mas o penalizado ainda é o mesmo.
No Brasil, o TIDAL deverá estar disponível por pouco mais de R$ 30 (contra os R$ 14,90 do Spotify). Isso representa um investimento de cerca de R$ 360 em um ano com o serviço, ou 45% do valor de um salário mínimo.
Em um país como o Brasil em que, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 44,8% dos lares sobrevivem com um salário mínimo, esta diferença se torna muito mais significativa.
A pirataria não representou, por parte do público, o simples desrespeito à propriedade intelectual e às leis (ainda mais no Brasil, onde a lei é uma coisa e a prática jurídica é outra bem distinta). Na verdade, ela foi uma grande aliada aos artistas quando mostrou o desequilíbrio na relação comercial, tanto com as gravadoras, como com os fãs.
A pirataria não representou, por parte do público, o simples desrespeito à propriedade intelectual e às leis (ainda mais no Brasil, onde a lei é uma coisa e a prática jurídica é outra bem distinta). Na verdade, ela foi uma grande aliada aos artistas quando mostrou o desequilíbrio na relação comercial, tanto com as gravadoras, como com os fãs.
Ao deixar de lado o debate sobre o que é pirataria, gravadoras e artistas reduzem a questão ao simples direito de obra o que, convenhamos, não está nem próximo da realidade. O que o Napster fez foi sinalizar a estes que o público já não estava disposto a pagar grandes valores para consumir música.
Como indicado pelo consultor e mestre em planejamento Sergio da Motta e Albuquerque em artigo publicado no Observatório da Imprensa em 2012, a pirataria é, a cada dia que passa, uma prática cultural mais aceita mundo afora.
É claro que a música – e demais manifestações culturais – precisa ser valorizada e bem remunerada. Artistas e indústria precisam encontrar novas formas de monetizar sua arte na internet. Entretanto, esta valorização não pode e não deve penalizar os fãs.
Gostem ou não os artistas e empresas amantes da era pré-internet, os downloads e a pirataria irão continuar. E como apontado por Motta e Albuquerque, no mundo todo e sem exceção.
Napster: a revolução digital da música
Em 1999, Shawn Fanning e Sean Parker criaram um programa de compartilhamento de arquivos que, não apenas resultou no – até hoje – maior imbróglio da indústria fonográfica mundial, bem como mudou a forma como consumimos música nos dias atuais. Era o Napster.
Este episódio serviu para escancarar como era desequilibrada a relação entre gravadoras e artistas. Apesar disto, Lars Ulrich, baterista da banda Metallica, iniciou um movimento contrário ao programa de Fanning e Parker, resultando em um longo processo envolvendo as maiores gravadoras do mundo, que culminou no fechamento do Napster, posteriormente adquirido pela empresa de gravação de cds e dvds Roxio.
Contudo, sabemos bem que mesmo com o fechamento da empresa, a indústria da música nunca mais seria a mesma. Se de um lado artistas passaram a poder administrar melhor suas carreiras, do outro a balança continuou desequilibrada. Músicos e selos demoraram a perceber que a relação entre produção musical e consumo havia mudado.
Os preços dos discos não diminuíram como se esperava e o foco foi, durante anos, o combate à pirataria e aos sites de compartilhamento de arquivos, como The Pirate Bay e Kickass Torrent. Sabemos que nesta batalha, mesmo com momentos de vitória para a indústria fonográfica (The Pirate Bay já teve seus servidores fechados por várias vezes), ela sofreu e sofre com a constante queda no número de venda de discos.
Alguns poucos artistas souberam compreender este novo cenário no mundo da música e aproveitá-lo. Bandas como Rage Against The Machine passaram a disponibilizar seu acervo e novas gravações de forma gratuita ou com preços mais acessíveis. Mas a grande mudança veio para novos artistas.
Com esse novo cenário, ficou claro, que para obterem sucesso e divulgação, as bandas não precisavam possuir contratos com gravadoras. Elas poderiam entrar em contato com seu público através da internet e comercializar produtos e música com preços mais acessíveis. Ainda assim, alguns músicos sofreram por não compreender a maior máxima da internet: nela, ninguém é dono de nada.
Gravadoras ganham fôlego e artistas poder
As gravadoras, em uma sacada de mestre, voltaram seus olhos para a internet, em busca de potenciais estrelas que tivessem certa projeção no ambiente digital. Surgiram então artistas como Rebecca Black e Mallu Magalhães, dentre outros inúmeros grupos e músicos que passaram a ter maior voz e poder de mobilização com o surgimento das redes sociais.
Ficou claro então qual era naquele momento a importância dos selos: trabalhar a distribuição dos artistas, fazendo com que suas músicas chegassem aos mais distantes rincões, intermediando para isto shows e execuções de suas músicas em rádios locais.
Esse resgate de utilidade foi um alento ao segmento que vivia em queda nas vendas de cds e o baixo número de compras de músicas na internet. Já aos artistas, isto representou um aumento no poder, seja de decisão sobre suas carreiras, seja no relacionamento com as gravadoras.
Serviço
O TIDAL é uma plataforma de streaming que oferece mais de 25 milhões de músicas e 75 mil vídeos. Além disso, oferece conteúdo exclusivo aos seus assinantes.
As músicas serão disponibilizadas no formato LossLess, o que mantém a qualidade sonora intacta. Como dito anteriormente, o preço para a assinatura aqui no Brasil tem sido estimada entre R$ 30 e R$ 60. O serviço terá ainda a função de reconhecer músicas, assim como aplicativos como Shazam e Soundhound já o fazem.