Eu não gostava de Mallu Magalhães, então quando Pitanga foi lançado, em 2011, não dei muita bola. Depois do hype em torno dos dois primeiros álbuns, achei que já havia entendido quem era Mallu Magalhães e que ouvir o terceiro LP seria perda de tempo. Até que, depois de ler tantas impressões positivas e sofrer com a insistência de pessoas próximas, resolvi, com um pé atrás, tentar a sorte. E, que ótima surpresa, Pitanga era um discaço.
O folk fofinho que deu fama à moça seguia presente, mas a relação cada vez mais próxima com a música brasileira caiu como uma luva no jeito sensível de compor e cantar de Mallu, e a mistura do inglês com o português soava natural como nunca. Parecia uma mudança de fase, um disco de transição entre uma adolescente inventiva e uma compositora plena.
Longos seis anos depois, o lançamento de Vem, quarto registro da paulistana, confirma essa minha impressão: Mallu Magalhães é, hoje, uma grande artista.
Vem, quarto registro da paulistana, confirma essa minha impressão: Mallu Magalhães é, hoje, uma grande artista.
Sugestivamente, “vem” é a primeira palavra que Mallu canta no álbum. A faixa de abertura, “Você Não Presta”, é o convite perfeito para o que se segue: apresenta, de cara, a brasilidade vez mais aflorada, excelentes arranjos de metais e percussão, e uma intérprete madura que ainda não conhecíamos.
Vem foi produzido por Marcelo Camelo, com arranjos do polivalente Mario Adnet, e mostra uma mulher feliz, confortável. Pela primeira vez na carreira, Mallu não dá nenhum espaço para a lamentação: Vem é um disco totalmente ensolarado. As experiências acumuladas desde 2008, quando apareceu para o mundo, fizeram a diferença. O casamento com Camelo, a mudança para Lisboa e a maternidade parecem ter transformado Mallu definitivamente.
Ao longo das doze faixas, aliás, o tema recorrente de Vem é o amor. Mallu versa sobre o afeto pela filha pequena, na singela “Casa Pronta”. Afirma a admiração pelo marido em “Love You” – a única faixa em inglês do álbum – e também pela mãe, em “Gigi”. Mesmo nos poucos momentos em que lidam com problemas, as letras trazem serenidade. “Culpa do Amor”, por exemplo, fala sobre os desentendimentos cotidianos de um casal, que se resolvem rápido: “Alguns minutos de aflição/ E a gente se olha sem jeito/ Ri de tudo o que passou/ E dá um beijo”.
Já “Será Que Um Dia” é um raro momento que esbarra em alguma insegurança, com a narradora em posição de dúvida: “Será que um dia desses você vai dizer/ Que se cansou das minhas aventuras/ Que está na hora de viver as suas?”. Notável também é o carinho por determinadas geografias, que transparece em faixas como “Guanabara” e “São Paulo”, duas músicas curtas (não passam dos três minutos) que parecem trazer lembranças felizes de lugares especiais para Mallu.
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E se evoluiu tanto como compositora, não deixou de desenvolver também a voz – Mallu está cantando demais. Continua discreta, geralmente mínima, mas totalmente consciente do que faz. Nada sobra nas interpretações: Mallu não exagera, não floreia, mas ataca as notas com uma segurança e determinação que não pareciam possíveis há alguns anos. O samba-rock “Pelo Telefone” é prova disso, com a voz decidida de uma mulher que em quase nada lembra o registro frágil da garota que gravou “J1” em 2008.
Musicalmente, Vem é praticamente irretocável. Com muitas referências à música brasileira, o álbum oferece samba com solo de guitarra (“Culpa do Amor”), bossa nova (“Casa Pronta”), jovem guarda (“Será Que um Dia”) e uma quase-marchinha (“São Paulo”). Para Portugal, dedica-se a belíssima guitarra portuguesa de “Linha Verde”, valsa que fecha o disco com suavidade.
É curioso, aliás, que o disco mais “Brasil” de Mallu tenha sido concebido em além-mar, e talvez seja justamente essa a causa do clima de saudade que toma conta de alguns momentos da audição. Saudade, sim, mas nada de tristeza: é saudade boa, um punhado de lembranças positivas de quem sabe que logo está de volta – ou de visita – e pode se satisfazer novamente.
Se Pitanga foi uma preparação para a idade adulta, Vem consolida uma nova Mallu, que irradia uma leveza necessária para tempos tão difíceis. Com seus pouco mais de 37 minutos, o álbum é sólido, conciso e decididamente um dos grandes lançamentos nacionais de 2017. Vale lembrar: Mallu tem só 24 anos e veio pra ficar.