Em janeiro de 1967, quando Aretha Franklin entrou em estúdio para gravar seu próximo álbum, as coisas não vinham muito bem. Apesar dos poucos 25 anos e o inegável potencial, a cantora e compositora já enfileirava nove discos pela Columbia Records e um relativo fracasso financeiro – a ponto de Aretha dever dinheiro para a gravadora.
Ninguém na Columbia parecia ter entendido o tamanho do talento que tinham em mãos: [highlight color=”yellow”]não investiam em divulgação nem em direcionamento[/highlight], e as gravações eram faixas e mais faixas de um repertório mais baseado em jazz, que, apesar de bem feito, não era digno da dinamite musical que era a jovem. Mas, se a esperança é a última que morre, imagine a esperança que nutre a filha de um pregador da Igreja Batista de Detroit? Foi então que, ao final de 1966, ela mudou de gravadora, graças a um rápido movimento do executivo Jerry Wexler, que enxergou a magia naquela garganta e firmou contrato. E aí, gente… Aí o jogo virou.
O novo contrato, com a Atlantic Records, foi o ponto de giro na carreira de Aretha. Wexler estava determinado a gravar um disco de sucesso e explorar direito a joia bruta que tinha em mãos. Colocou Aretha para trabalhar com a banda Muscle Shoals Rhythm Section e o que veio na sequência foi um álbum de soul e R&B sublime: I Never Loved a Man the Way I Love You. Pra entendermos o quão importante é esse registro, que comemora 50 anos em 2017, basta imaginar o susto que deve ter sido para quem, lá atrás, botou na radiola o novo disco de uma cantora (mais ou menos) desconhecida e se deparou, logo de cara, com isso aqui:
É apenas uma gravação impecável de uma música composta por um rapaz já estabelecido à época – apenas Otis Redding. A canção, que, claro, já era ótima na voz do compositor, [highlight color=”yellow”]ganhou novos contornos através da interpretação vigorosa de Aretha.[/highlight] A cantora alterou trechos da letra para adaptá-la ao ponto de vista de uma mulher forte, que exige respeito de seu companheiro. Com as mudanças de Aretha, “Respect” acabou se tornando um hino para os movimentos norte-americanos dos direitos civis e dos direitos das mulheres, simultaneamente.
I Never Loved a Man the Way I Love You virou um marco para a música americana como um todo. O álbum acertou em cheio ao misturar o R&B, o gospel, o rock’n’roll e o blues e acabou dando uma nova cara ao soul.
I Never Loved a Man the Way I Love You virou um marco para a música americana como um todo. O álbum acertou em cheio ao misturar o R&B, o gospel, o rock’n’roll e o blues e acabou dando uma nova cara ao soul: em “Drown in My Own Tears”, do Ray Charles, por exemplo, Aretha Franklin entrega uma leitura emocionada, emocionante e blueseira. “Save Me”, composta pela própria, é um quase-rock, que reafirma a versatilidade dela como artista e mostra novamente o – sempre impressionante – alcance vocal que possui.
Demonstrações da potência da voz de Aretha, [highlight color=”yellow”]uma das maiores cantoras da história[/highlight], não faltam: é difícil não se arrepiar com o sentimento que ela expressa em faixas como “A Change is Gonna Come” (uma pérola negra de Sam Cooke), ou sentir na alma a entrega intensa “Soul Serenade” (Curtis Ousley e Luther Dixon).
Para a Rolling Stone, I Never Loved a Man the Way I Love You é o 84º entre os 500 maiores da história, e a gravação de “Respect” é a 5ª melhor música de todos os tempos. A Pitchfork coloca o registro no 10º lugar entre os melhores discos dos anos 60, à frente de clássicos como Highway 61 Revisited, Let It Bleed e Abbey Road. Mas, acima de tudo isso, o cinquentenário I Never Loved a Man the Way I Love You [highlight color=”yellow”]merece o status que tem por ser uma pedra fundamental para o novo rumo que tomou a carreira de Aretha Franklin.[/highlight] Essa é a obra onde se inicia de fato a caminhada de uma cantora aspirante ao título definitivo de Rainha do Soul. Comemoremos seus 50 anos, pois!