Enquanto o caos e o desespero são notas constantes na melodia cotidiana do cidadão comum, há quem procure mecanismos para despertar desse marasmo cultural no qual somos mergulhados por uma realidade estraçalhada. Desafiar momentos obscuros depositando energias na arte é, desde que o mundo é mundo, uma atitute ousada, política e, acima de tudo, humana.
Quem se entrega à música sabe que ela é capaz de encontrar ordem no caos, seja ao nos tirar do comodismo, seja ao criar um barulho maior que qualquer achincalhamento (social, moral, político). Riffs, distorção, notas musicais que criam um incômodo por sua potência, pela sua união de forma quase cruel dentro de uma cena musical por vezes esquizofrênica, que quer ser vista e se fazer ouvir sem, antes, ouvir e ver.
De Londrina vem a Prata da Casa desta semana, última antes de uma merecida pausa para o descanso de fim de ano. Thais Vicente, frontwoman da Vulgar Gods, deu uma sacolejada nos tímpanos deste colunista. Juntamente com Guilherme Hoewell, Vinícius Gouveia, Thiago Ruas e Gabriel Pelegrino lançou o cavalar Queen of Sound, primeiro álbum do grupo. Aos que tiveram a possibilidade de acompanhar o histórico “Casal 20” no comando do ataque do Fluminense na década de 1980, fica fácil explicar o que Hoewell e Gouveia fazem com suas guitarras. Há peso, mas há, também, elegância. Os riffs da dupla não desprendem “sujeira” à toa, apenas são colocados com classe, distinção, astúcia.
O mundo da música gosta de dar muitas reviravoltas. 2015 foi um ano em que o stoner rock e o rock psicodélico voltaram a ser referências em inúmeros trabalhos lançados. Não bastasse isso, parece que também foi um ano em que os grooves retornaram às linhas de baixo de muitos grupos, e isso não é diferente com a Vulgar Gods. “Inside Your Mind” é capitaneada por Thiago Ruas, o baixista da banda.
As 10 faixas de Queen of Sound mostram uma cozinha afinada e afiada, prezando por harmonias que arrebatam pelo vigor, mas prendem mesmo é pela honestidade de sua música.
Destacar a importância de um bom trabalho no baixo e na bateria é necessário, posto que ainda há quem creia que rock se faz apenas com muitos power chords e gritos ensurdecedores. A Vulgar Gods não tropeça nesse erro. As 10 faixas de Queen of Sound mostram uma cozinha afinada e afiada, prezando por harmonias que arrebatam pelo vigor, mas prendem mesmo é pela honestidade de sua música, fugindo dos estereótipos posers do gênero.
Em “Nowhere”, canção que abre o disco, Thais Vicente espalha sua técnica vocal no público, mas é com “Rest in Piece” que a cantora deixa sua marca: força e graça. “She drives me insane and i need it” diz a faixa, algo que curiosamente encaixa bem neste contexto. É o ponto alto do disco, juntamente com a urgência e crueza de “Asylum”, sexta faixa de Queen of Sound, e a primeira a ganhar um clipe (veja acima).
Ao final da audição do disco, fica a certeza do que a Vulgar Gods faz parte de uma safra robusta da música paranaense, que precisa ser bem cuidada, lapidada, para que seja capaz de sobreviver às dificuldades existentes à música autoral dentro de nosso estado. Mostra mais: os veículos da capital precisam entender que o Paraná não se restringe a Curitiba, mesmo que a arrogância do califado cultural curitibano pense que sim.
Saravá.