Uma das principais marcas do trabalho de Wado é o desconforto, que pode ser compreendido sob diferentes aspectos. O primeiro diz respeito ao não comodismo do músico. Esse desconforto propiciado pela constante busca pelo algo além lhe confere a possibilidade constante de renovação – e evolução. Wado não parece aceitar o que já fez, ainda que a tônica de suas mudanças esteja sempre abraçando essa prolificidade.
O segundo versa sobre a relação do músico com o público. Não há espaço na obra de Wado para se subestimar o ouvinte. Seus flertes com diferentes gêneros, sonoridades e influências exige do público a capacidade de reinterpretá-lo a cada período. Não se trata, no entanto, de pedantismo musical, mas da tentativa de estabelecer um diálogo e afirmar a música como um instrumento de comunicação. Wado deixa claro com seus trabalhos que a música não é caminho de via única.
O terceiro é a necessidade de adaptação frente aos contextos que, certamente, causam impacto sobre a arte. Da fusão de termos a partir de Noam Chomsky, à forma como trata o amor, também, como um ato político, como um elemento essencial a nós e que se vê modificado pela ausência ou pela presença. Se amar é ficar quando todas as células dizem para partir, como afirma a psicanalista norte-americana Clarissa Pinkola Estés, Wado constrói uma espécie de diálogo com estas células, procurando traduzir a ambiguidade deste sentimento tão ímpar.
Se amar é ficar quando todas as células dizem para partir, como afirma a psicanalista norte-americana Clarissa Pinkola Estés, Wado constrói uma espécie de diálogo com estas células, procurando traduzir a ambiguidade deste sentimento tão ímpar.
Precariado, seu primeiro álbum exclusivamente de inéditas em 10 anos, evoca todas estas três características, resultando em um complexo e intrincado disco, marca do artista de hoje e raiz do músico de sempre. Para isso, Wado toma como eixo central e norte do registro o samba e todas suas idiossincrasias. Contudo, o músico não se fixa em uma interpretação identitária, tampouco parece preocupado em estabelecer (mais) uma releitura do gênero.
Ele compreende a essência orgânica do samba, que evoluiu desde seu surgimento, ganhando novos sotaques, modos de ser interpretado e cantado. Wado traz para o centro de sua roda de samba o frescor e o contraste de artistas como Figueroas, Teago Oliveira e os paranaenses da Tuyo, como se estivesse à caça de prestar honras e, concomitantemente, desmistificar nosso símbolo nacional ao aglutinar as particularidades de seus convidados. E o músico ainda cria uma ponte de diálogo – um dos movimentos mais necessários em tempos de tanto ódio (ou da falta de amor) – com a presença de parceiros seus de longa data.
Carnavalesco de seu próprio “Terreirão do Samba”, Wado assumiu as rédeas da produção. Conforme o próprio afirmou em entrevista à jornalista Bruna Linhares, Precariado não se revelou logo de cara, ele foi gestado. E na elaboração desta festa universal da música, o músico e sua trupe conseguiram (com méritos) compor um retrato interessante dessa nossa intempestiva contemporaneidade. Nada mais Wado do que isto, ou nas palavras do material de divulgação de Precariado, “o disco mais Wado de todos os tempos”.