No próximo domingo, o país vai escolher quem ocupará a presidência pelos próximos quatro anos. As tendências apontam para um cenário incerto, ainda que a estabilidade em patamares elevados possa sugerir a vitória em primeiro turno do ex-presidente Lula (PT).
Na pesquisa Datafolha publicada na noite de ontem, o candidato do PT aparece com 50% dos votos válidos, enquanto o atual mandatário, Bolsonaro (PL), marca 36%. Quinta-feira também marcou o encerramento da campanha em rádio e TV.
Na cultura, o período foi marcado por pouco espaço ao debate e apresentações concretas de propostas. Esse fator chama a atenção pela mudança substancial no esqueleto das candidaturas. Em 2018, apenas 5 dos 13 candidatos na disputa listaram planos para o setor, realidade bastante distinta agora em 2022.
Dos documentos apresentados ao TSE este ano, somente um não incluía propostas culturais. Apesar de muitas citações sobre ataques, perseguições e o estrangulamento do setor, em virtude da redução do orçamento, a cultura teve pouco ou nenhum protagonismo nos programas de governo.
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Para o professor Emerson Cervi, do Departamento de Ciência Política da UFPR, isso é reflexo direto da opção sistemática por políticas pontuais. “Políticas estruturadas, planos nacionais, projetos envolvendo os três níveis de governo estão sendo substituídos por práticas passageiras.” Mas, como alerta Cervi, não se trata de uma exclusividade da cultura. “Em geral, somos um país cronicamente desigual, onde as prioridades ainda são a sobrevivência material de parcela considerável da população”, sinaliza.
Mesmo os compromissos práticos ficaram restritos, na maior parte dos casos, ao pacto simbólico de recriação do Ministério da Cultura (MinC).
Mais do que desinteresse em assumir compromissos públicos, isso indica desdém com tratar o segmento como área de política de interesse público. “O setor da cultura tem sido arma na disputa política, ao invés de objeto de políticas públicas”, comenta Cervi.
Mesmo os compromissos práticos ficaram restritos, na maior parte dos casos, ao pacto simbólico de recriação do Ministério da Cultura (MinC). “[A Cultura] se transformou de objeto de política integrante da formação social do país em arma para atacar ou se defender”, reflete.
Para o professor da UFPR, o reaquecimento e fortalecimento da área pode levar tempo, independente de quem assuma a cadeira. “Em uma condição de menor desigualdade social e econômica, a cultura seria central na reconstrução de uma imagem de país heterogênea. Infelizmente, antes disso, [pensando em termos de] reconstrução nacional, a desigualdade material precisará vir antes. E com urgência.”
Programas de governo
Entre os três primeiros colocados em todas as pesquisas divulgadas, antes e durante a campanha, visões muito distintas estavam impressas. Para o professor da UFPR, a principal diferença é dada pela imposição de valores e desmonte institucional, expressa de maneira particular na candidatura do presidente Bolsonaro. A distinção central, de acordo com Cervi, está no ordenamento do debate, com adversários do candidato do PL pensando em política cultural institucionalizada, “de baixo para cima e com discussão”, salienta.
Para o presidente Bolsonaro (PL), o setor é visto como um departamento de seu governo. Os poucos espaços dados a tratar o tema no documento disponibilizado por sua campanha faziam uma espécie de prestação de contas.
É importante lembrar que, durante seu mandato, o Sistema Nacional de Cultura, instituído a partir do Plano Nacional de Cultura (PNC) no segundo mandato do ex-presidente Lula, foi prorrogado por duas vezes.
Esse fato faz com que pareça contrassenso ele indicar no documento que pretende fortalecer políticas públicas culturais, especialmente em um cenário que houve tanta perseguição aos artistas. É importante lembrar, ainda, que durante seu mandato as leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo foram vetadas.
Já Ciro Gomes (PDT) prefere dar um verniz que coloca a cultura como elemento da identidade nacional. Ele parece mais interessado na preservação de um ideal de “cultura nacional” e menos na complexidade do que ela é.
Das propostas estabelecidas em seu plano, a regulação dos serviços de streaming, com a garantia de investimento mínimo em produção de conteúdo nacional e com equidade na visibilidade, é a que mais chama a atenção.
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Ela requenta um debate de 2019, quando a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovou a proposta que obrigaria que Netflix, Amazon e demais empresas que se instalassem no país fossem obrigadas a investir 10% do faturamento em conteúdo nacional. No entanto, uma decisão de 2021 do Ministério das Comunicações decidiu por não enquadrar o streaming na Lei da TV por Assinatura.
Era um dilema antigo, mas a atual quantidade de conteúdo produzido ou distribuído por essas empresas já ultrapassa o mínimo exigido pelas cotas, que é de 3% da remessa em projetos de produção de conteúdo audiovisual independente, aprovados pela Ancine.
O candidato do PDT várias vezes sinalizou como modelo o formato da União Europeia, onde a cota de tela pode chegar até a 50% Há, inclusive, um projeto de lei, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), propondo maior regulação ao setor. O PL 8889/2017 quer que o investimento seja equivalente a 10% do faturamento em conteúdo nacional.
Todavia, o discurso de Ciro Gomes parece desconectado da necessidade de maior democratização ao acesso aos bens culturais, à preservação do patrimônio e estabelecimento de contexto de sobrevivência para quem trabalha com cultura para além dos editais. Isto é, o discurso está afinado em brasilidade, e dissonante em políticas públicas eficazes.
Mesmo sem ficar claro como pretende fazer, o candidato do PT fala sobre a necessidade de investir em qualificação, ampliação e criação de políticas públicas para o setor, diferente de seus adversários.
Já o atual líder das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem uma visão mais ampla. Para o petista, a cultura é elemento base do que nos torna cidadãos, equiparado a direitos humanos, por exemplo. Há transversalidade que não é vista nos demais programas – e, ainda assim, Lula assume poucos compromissos além da recriação do MinC.
Mesmo sem ficar claro como pretende fazer, o candidato do PT fala sobre a necessidade de investir em qualificação, ampliação e criação de políticas públicas para o setor, diferente de seus adversários.
Depois de acompanharmos o Museu Nacional arder em chamas, Lula sabe a importância de sinalizar que pretende investir na preservação da memória nacional, bem como descentralizar a gestão cultural, criando comitês estaduais em parceria com estados e municípios. Isso precisaria que o Sistema Nacional de Cultura fosse revisto e implantado, de modo a garantir o fim da concentração de rescursos.
Todas essas diferenças não são sutis, pois dizem muito sobre o que esperar de modo efetivo de eventuais governos dos citados.
O que dizem os planos dos principais candidatos
Confira o que dizem os planos de governo dos quatro candidatos melhor pontuados nas pesquisas eleitorais. Os documentos são públicos, disponibilizados pelas próprias candidaturas no site do TSE.
Ciro Gomes
- Regulação de serviços de streaming (garantir investimento obrigatório na produção nacional e equânime visibilidade)
- Investimento na democratização do acesso, no usofruto e expansão no consumo de bens e serviços culturais
- Investimento na cultura periférica
- Investimento na cultura regional*
- Estímulo à economia criativa
- Recriar o MinC, com elevação do orçamento destinado ao setor
- Transformar a Ancine em órgão regulador do audiovisual, e não apenas como fomentador
- Criar cenário propício ao surgimento de streamings nacionais*
- Programa Internet do Povo: financiamento à compra de smartphones para a população vulnerável e implantação de redes gratuitas de wi-fi
* Não constam do plano de governo
Fontes: TSE e site oficial da campanha.
Simone Tebet
- Recriação do MinC, que interligue iniciativas federais, estaduais e municipais
- Fortalecimento da economia criativa
- Criação de fontes estáveis de financiamento e fomento à cultura
- Fortalecimento das leis federais de incentivo
- Garantir acesso cultural a todas camadas da população
- Fortalecimento de políticas públicas de turismo ligadas às atividades culturais
Fontes: TSE e site oficial da campanha.
Jair Bolsonaro
- Investir até R$ 30 bilhões no período de um novo mandato
- Triplicar investimento em patrimônios culturais
- Fortalecimento de políticas públicas culturais, seguindo o Plano Nacional da Cultura (PNC)
- Priorizar e consolidar o Sistema Nacional de Cultura
Fonte: TSE.
Lula
- Recriação do MinC
- Investir em qualificação, ampliação e criação de políticas públicas para a cultura
- Investir na preservação da memória nacional e diversidade cultural, com fortalecimento da cultura periférica e popular
- Garantir liberdade artística
- Implantar o Sistema Nacional de Cultura e descentralizar recursos
- Criação de Comitês de Cultura Estaduais
Fontes: TSE e site oficial da campanha.
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