Durante toda a duração de Amadores, que passou de novo por Curitiba neste fim de semana, os 19 integrantes, atores e não atores contratados por anúncio em jornal, encaram a plateia, lá do fundo do palco, num longo paredão. Sentados lado a lado despojadamente em sofás, fazem-me pensar nos grupos que abraçam árvores ou prédios condenados. Uma pequena comunidade que surge em torno de um objetivo comum, nobre, inspirado. Pelos relatos pessoais, desfiados aos poucos enquanto um a um vem à frente narrar algum evento marcante de sua vida, a experiência cênica mexeu com a existência de todos.
A peça mexe com cuidado com o tema da superação, sabendo ser terreno muito pisoteado e pouco fértil. Mas qualquer possibilidade de pieguice ao longo das duas horas e meia de espetáculo é enxotada pela ironia da própria produção.
Os relatos díspares desse grupo parecem ter sido retirados da sociedade quase que com uma pinça, de forma a obter variedade. Poderiam ser outros, poderia ser qualquer um? O interesse do espectador se prende a histórias de gente comum, assim como o protagonista de Rocky: um lutador não era nenhum super-herói.
Os relatos díspares desse grupo parecem ter sido retirados da sociedade quase que com uma pinça, de forma a obter variedade.
O filme é usado como amálgama, fio condutor das histórias contadas durante a peça. Em vários momentos, o enredo, a trilha sonora ou a cosmovisão do filme que consagrou Sylvester Stallone, em 1976, são mencionados em meio aos relatos desses brasileiros diante de nós no palco. Os atores-personagens se comparam a Rocky, a seu antagonista Apollo ou à namorada Adrian. Ou contam trivialidades a respeito da produção cinematográfica, como faz um crítico de cinema e professor de literatura que integra o elenco e que joga tudo aquilo no ventilador, chegando a criticar a estrutura do filme e da peça.
Ao trazer algum momento em que beijaram a lona na vida, os atores e amadores fazem um relato bastante objetivo, ou seja, não há muito espaço para a manipulação de sentimentos. É tudo na palavra. Isso somado à ação em massa do grande grupo, que te olha o tempo todo, como que servindo de guarda-costas para cada um que está se expondo sob os holofotes, dizendo “mexeu com um, mexeu com todos”.
Claro que eles não estão lá para contar coisa fofa. É barra pesada, drogas, preconceito, injustiça. Mas como estamos vendo todos ali sãos e salvos, limpos e corajosos no palco, acaba sendo uma mensagem de esperança. Pelo próprio formato.
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Dois atores da companhia nos brindam com coreografias hilárias. E o diretor, com o choque cênico de nos transportar de Beyoncé para um relato naturalista de aborto.
Vencer na vida é comumente associado a engordar a conta bancária. E uma das escolhas mais inovadoras do espetáculo é falar de dinheiro, sempre dentro da toada do “é tudo verdade”. Quer dizer, é tudo ensaiado, treinado e coreografado, mas mesmo assim é verdade.
O pior, para nós que ainda temos a ilusão de que exista um “vencer”, é que Rocky perde no final, ainda que o célebre erro de dublagem na versão brasileira faça crer que houve empate entre ele e Apollo Creed quando finalmente se enfrentam no ringue.
De Ficção, outra produção da Cia Hiato que passou pela cidade, gostei muito no calor da hora e um pouco menos ao rever. Amadores me faz gostar aos poucos enquanto vou pensando nela – e cada vez mais.
FICHA TÉCNICA
Criação: Cia Hiato – Aline Filócomo, Aura Cunha, Fernanda Stefanski, Leonardo Moreira, Luciana Paes, Maria Amélia Farah, Marisa Bentivegna, Paula Picarelli, Thiago Amaral e Yumi Ogino;
Elenco: Aline Filócomo, Chicão Paraizo, Dalva Cardoso, Dom Lino, Fabi de Farias, Fernanda Stefanski, Giovanni Barontini, Márcia Nishitani, Maria Amélia Farah, Maurício Oliveira, Nairim Bernardo, Nsona Kiaku Arão Isidoro Jorge, Oswaldo Righi, Paula Picarelli, Roberto Alves, Ronaldo de Morais, Rose Sforcin e Thiago Amaral.