2015 é o ano em que se completa o centenário de Billie Holiday. Em 7 de abril de 1915 nascia em Baltimore, nos Estados Unidos, Eleanora Fagan Tosse, considerada uma das maiores cantoras de jazz e “uma pessoa mais fascinante do que qualquer personagem já criada por romancistas”, segundo John Szwed, um de seus biógrafos.
Antes de se tornar “Billie Holiday”, a jovem Eleanora foi abandonada pelo pai, foi estuprada aos 10 anos de idade, aos 13 se prostituiu e aos 17 começou a se drogar. Foi na década de 1930 que seu talento foi descoberto, ao cantar em boates de Nova York.
Billie Holiday, em vida, nunca foi rentável para as quatro gravadoras com que assinou contrato, Columbia, Commodore, Decca e Verve. Durante a década de 1940, ela se casou e divorciou três vezes. Billie tinha sucesso, mas, ao que consta, era enganada pelos homens que a cercavam – tanto os companheiros, como os seus empresários.
Em 1947 a cantora foi presa pela primeira vez. Seu vício em heroína a obrigou a sair dos EUA. Em 1956, no entanto, quando excursionava pela Europa, mais uma vez, por conta da droga, Billie Holiday foi presa e, então, entrou em um programa de reabilitação.
Os extremos de Billie Holiday estão em cena distantes de referenciais puramente históricos, datados. Todos os elementos apontam e atestam a poesia que envolve a montagem.
O jornalista João Máximo diz que, além de seu estrondoso sucesso e inegável qualidade musical, Billie Holiday também promoveu mudanças nos EUA, ao ser figura principal na alteração da legislação norte-americana que “tratava o dependente como bandido e não como doente”. Segundo ele “os debates começaram sete dias antes da morte de Billie, quando surgiu a proposta de tratamento, e não prisão, para o viciado”.
Em 1959 morre Billie Holiday. Foi somente da década de 1970 que a vida e a obra de “Lady Day”, como era chamada, voltaram a se tornar um fenômeno, dessa vez, também de vendas, impulsionadas pelo filme de 1972 O Ocaso de um Estrela – em que “tudo é falso, a começar pelo roteiro, obra de uma equipe pródiga em clichês”, segundo o mesmo jornalista.
Billie, espetáculo da companhia Dezoito Zero Um, faz parte da trilogia biográfica, escrita e dirigida por Alexandre França, que tem como principais temas grandes nomes do universo artístico.
O ponto de partida da montagem são gravações de áudios reais e duas biografias da cantora – uma delas publicada por ela mesma, com a colaboração do jornalista William Dufty, em 1956, e outra, da francesa Sylvia Fol.
É em um ambiente intimista que a peça apresenta uma figura que se constitui em lembrança. O momento presente parece ser o que converge a trajetória da mulher que se expõe tão próxima ao público. São cenas escuras e silenciosas. Somadas à voz de Cássia Damasceno estão as vozes microfonadas de Diego Fortes e Otavio Linhares. A luz, feita por Beto Bruel, surge em cada cena como o principal recurso possível para se desvelar Billie – o tempo que leva para o rosto da atriz aparecer, por exemplo, parece sugerir a imersão em uma figura tão potencialmente contraditória e genial. Os extremos de Billie Holiday estão em cena distantes de referenciais puramente históricos, datados. Todos os elementos apontam e atestam a poesia que envolve a montagem.
É em um diálogo com esses homens, técnicos de estúdio, que a cantora atravessa sua própria vida, revelando, especialmente, as fragilidades que a compõe. Estão ali as relações com a bebida, com a droga e com os homens. Está ali a mulher, deixando-se mostrar com contornos tão contrários aos que o ar de celebridade desenha. Está despida e sem o brilho que o sucesso impõe. É, no entanto, dessa forma que a figura de Billie Holiday parece se complexificar a ponto de justificar o ícone que se tornou. E, definitivamente, surge mais brilhante do que nunca.
Billie esteve em cartaz em Curitiba nos dias 9 e 10 de outubro, no espaço do Grupo Obragem, compondo a programação do MOVE – Mostra de Solos de Teatro e Dança, que vai até dia 25 de outubro. Mais informações aqui.
O título desse texto faz referência a uma das faixas do disco Lady in Satin, de 1958, chamada “Glad to Be Unhappy”.