‘Bumm’: Semelhanças e Diferenças diante do medo
É possível rir diante do medo quando a própria vida está em risco?
Em Bumm, espetáculo do grupo mineiro Arande Coletivo e dirigido por Inês Peixoto, do Grupo Galpão, é.
E assim como na vida, na peça da 4ª Mostra Ave Lola – O Teatro das Mulheres, que compõe o Festival de Curitiba, é fácil rir do medo que o outro sente, mas também é possível rir de si mesmo se houver uma autopercepção.
Essa revelação proporcionada pelo espetáculo vai de encontro ao que aponta o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro no artigo “O Medo dos Outros“, publicado na Revista de Antropologia da USP.
Nele, o estudioso observa a graça que a sociedade contemporânea vê nos povos primitivos, que tinham medo de tudo: da natureza, da morte, dos mortos, do novo e até mesmo dos outros humanos.
Mas não precisamos ir muito longe para enxergar e rir de alguns absurdos da sociedade. Assim diz ele: “Com efeito, se há uma ideia que hoje pode ser considerada como literalmente ridícula, em sua mistura de ingenuidade e presunção, esta consiste na crença de nossos ancestrais imediatos, os modernos, segundo a qual o avanço da técnica e da ciência, o desvelamento dos mistérios do cosmos e do organismo, o incremento do livre comércio de coisas, pessoas e ideias, a difusão do letramento e do estado de direito – em uma palavra, o Progresso – iriam dissipar o estado de pavor infuso em que viviam nossos ancestrais mais distantes (ou nossos contemporâneos pré-modernos)”.
O apontamento do professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ) se deve ao fato de que acreditávamos ingenuamente que a luz da razão viria iluminar e eliminar os nossos medos. Afinal, conheceríamos tudo e não haveria o que temer.
No entanto, a razão não nos trouxe razão:
“Parece que a Razão, ao se disseminar, aumentou brutalmente as razões para se ter medo. Se não é que se tornou ela mesma aquilo que se deve temer. E dávamo-nos ao desfrute de ironizar complacentemente o medo que teriam os pobres primitivos: medo dos outros homens, medo das forças naturais… Logo nós, que vivemos em perpétuo pânico – justificado, eu diria – diante dos ferozes imigrantes do quarto mundo e do inexorável aquecimento do mundo todo”.
Em Bumm, esse imenso monstro é representado por apenas quatro mulheres.
O reflexo disso pode ser visto, por exemplo, na crise dos refugiados na Europa, em que muitos dos migrantes que tentavam fugir da guerra eram vistos com maus olhos pela população e o governo dos países nos quais buscavam abrigo.
Em Bumm, esse imenso monstro é representado por apenas quatro mulheres.
Perdidas, machucadas e em farrapos, as personagens se encontram em um local escuro, sem comida ou água, que aparentemente acabou de explodir. No entanto, aquilo que inicialmente parecia ser uma estação de trem passa a ser mostrado como um local indistinguível, bem como não é possível entender como elas foram parar ali.
Essas incertezas, no entanto, não importam. Realmente relevante é observar como se dá a convivência entre as mulheres vindas de locais diferentes, com culturas, costumes, religiões, hábitos e opiniões completamente distintas.
Boa parte desses hábitos se revela no momento em que uma luz aparentemente divina se acende e eles fazem confissões. Dessa forma, o público e as próprias personagens passam a se conhecer além da aparência e aprendem a assimilar as similitudes bem como respeitar as diferenças.
Desse contato segue a conversa entre elas até o momento em que se tornam completamente iguais, assim como realmente somos.