Trocando Em Miúdos: A Lei de isenção do IPTU para os pequenos teatros da cidade de São Paulo é uma importante vitória contra o massacre que sofrem as salas de espetáculo no país. A necessidade de um espaço para criação leva a uma reflexão sobre as possibilidades do teatro nos dias atuais.
A prefeitura de São Paulo, em uma medida histórica, sancionou a Lei 16.173/2015 que isenta os pequenos teatros, com capacidade para até 400 pessoas, do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano, o IPTU. A excelente notícia dá fôlego aos movimentos que defendem, de maneira heróica, os espaços da cidade dedicados às artes.

O massacre que os pequenos teatros tem sofrido em razão da insaciável especulação imobiliária é algo completamente absurdo. Grupos chegam a ser enxotados de seus espaços, algumas vezes com intervenções da polícia, sem ter tempo de se quer juntar seus pertences, seus objetos de trabalho.
A medida, ainda que singela, é uma vitória significativa para todos que acreditam no poder transformador do Teatro. O horripilante som do abaixar das portas metálicas dos teatros na cidade ecoa feito um grito seco nas esquinas vazias da capital paulista. Silenciosamente, os teatros paulistanos pedem socorro. Estrangulados por cifras exorbitantes, os grupos fazem das tripas coração para manter seus espaços abertos, uma tarefa inglória nesses tempos de shoppings e boutiques.
A questão sobre a necessidade e o direito ao espaço cênico leva, ao menos nesse espaço guiado pelo delírio, a uma reflexão mais ampla. O teatro, tal qual o samba, agoniza mas não morre. Ele sobrevive através das calejadas mãos da resistência. Atores, diretores, público; qualquer pessoa ligada ao teatro sofre diariamente com as impossibilidades, é surrada pelo desinteresse e pela descrença e mesmo assim permanece firme, de pé. O Teatro é um exercício de fé!
Como em todo ritual, o fazer teatral é algo que consome. A entrega e a dedicação são absolutas, o ritmo de ensaios é alucinante e o desgaste, físico e mental, é extremo. Como em toda profissão, é preciso ter as mínimas condições para que o trabalho seja feito adequadamente, coisa que raramente acontece. Muitas das pessoas que enxergam no exercício cênico o seu ofício são obrigadas a assassinar seu sonho por conta da “desimportância” com a qual tratamos o teatro por aqui.
“Como em toda profissão, é preciso ter as mínimas condições para que o trabalho seja feito adequadamente, coisa que raramente acontece.”
O mundo atual, que santifica multi-nacionais, não tem tempo para o ócio, para a beleza e para a reflexão. É tudo negócio! A correria do dia-a-dia, com a insana jornada de trabalho e os açoites do mundo moderno, nos embruteceu a alma. Vivemos nos tempos do fast-food espiritual, onde crenças e carros importados dividem espaço numa prateleira etiquetada.
Diante de tudo isso fica difícil não pensar que o sucateamento do teatro é algo proposital. A força pulsante deste rito é perigosa aos olhos dos patrões, que insistem em coibir a liberdade em nome da manutenção do estado agonizante da humanidade.

Todo criador necessita de um local onde possa exercer seu ofício, isso é inegável. Uma sala de espetáculos é de extrema importância enquanto espaço de trabalho, evidentemente, mas além disso é através dela que um grupo contracena com a cidade e seus habitantes. Os teatros são espaços mágicos onde tudo é possível, lá encontramos a beleza do existir e experimentamos a liberdade dessa existência. Ali, mesmo que por algumas horas, somos despidos de todas as catalogações do espírito e nos guiamos pelo delírio coletivo. Em um mundo tão impessoal, é de extrema importância preservar as salas de espetáculo, já que o teatro leva ao outro.
A luta continua! A importantíssima vitória dos Teatros de São Paulo é significativa e de extrema importância diante da atual situação que os grupos tem enfrentado, no entanto, é preciso deixar claro que o teatro resiste e avança. Que os espaços cênicos tornem-se espaços mágicos, que as salas transbordem para as ruas e praças e o teatro tome as cidades. Que reencontremos a beleza que nos falta na vida e que sigamos o conselho de Rimbaud de mudar a vida.
No meu primeiro texto por aqui (leia aqui) fiz uma citação da famosa frase do cineasta francês Jean-Luc Godard. Ela fala sobre a necessidade de se criar diversos “vietnans” na cultura, e é assim que enxergo cada sala de teatro. Que a vitória nos deixou com os olhos marejados é inegável. Que cada pessoa que acredita no teatro carregue o sorriso nos lábios, mas ainda é preciso manter os punhos cerrados.
Avante!