O jornalista e dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues (1912 – 1980) é, há tempos, uma unanimidade nos palcos brasileiros. Seu nome é onipresente quando o assunto é o teatro moderno tupiniquim e as salas de todo o país, quando ainda haviam espetáculos em cartaz por aqui, tinham em sua programação ao menos uma de suas peças.
Se estaria contente ou não com a condição é outra história, já que em uma de suas frases mais famosas o gênio brasileiro declarou que toda unanimidade é burra e que aquele que pensa com ela, a tal unanimidade que hoje o persegue, não precisa se dar ao trabalho de pensar; de qualquer maneira Nelson foi o grande responsável pela renovação do teatro nacional, com a peça Vestido de Noiva, e o culto em torno de sua obra e figura é, além de compreensível, merecidíssimo.
A Cia de Repertório Rodriguiana, criada pelo diretor e pesquisador Marco Antônio Braz, trabalha com a recuperação da memória do escritor através das redes sociais e se propõe a preservar seu legado e apresenta-lo às novas gerações.
São inúmeros os projetos, grupos e especialistas que se dedicam a pensar, homenagear e estudar Nelson Rodrigues, como também são incontáveis as adaptações, releituras e apropriações de seus textos. Uma dessas iniciativas de estudo, divulgação e preservação da obra do dramaturgo nasceu no ano passado, em plena pandemia da Covid-19. A Cia de Repertório Rodriguiana, criada pelo diretor e pesquisador Marco Antônio Braz, trabalha com a recuperação da memória do escritor através das redes sociais e se propõe a preservar seu legado e apresenta-lo às novas gerações.
Das diversas possibilidades criadas pela companhia nesse curto período, a mais interessante delas é sem dúvida o Festival da Tragédia Brasileira, com leituras encenadas de três peças e dois contos do dramaturgo. As apresentações aconteceram nas primeiras semanas do mês de abril, e segue no próximo fim de semana com leitura online da peça Viúva, porém honesta, em cartaz gratuitamente no canal oficial da companhia no YouTube nos dias 15, 16 e 17 com sessões duplas às 15h e 19h horas. Dentro da programação ainda acontece o primeiro bate-papo do projeto psicanálise de Botequim. O primeiro convidado será o jornalista e biógrafo Ruy Castro, autor do ótimo O Anjo Pornográfico.
A tragédia, combustível da esperança
“O sol há de brilhar mais uma vez”. É quase impossível ouvir ou ler essa frase e não escutar a voz rouca e inconfundível de Nelson Cavaquinho amparada por seu violão, um cigarro e um bom trago daqueles do forte. Em “Juízo Final”, obra-prima do compositor, a esperança parece brotar justamente da dor enquanto a semente do mal é torrada para deixar de infestar a terra e os corações humanos. Nesse do fundo desse poço chamado Brasil, onde toureamos o desespero e pelejamos com a morte diariamente, a tragédia se faz tão presente que acaba dissolvida na rotina, de modo que muitas vezes passa despercebida por nossos olhos exaustos dessa realidade.
Se há um tanto de tragédia pairando no ar, há também a possibilidade de transformar essa tragédia em um combustível potente que pode nos guiar em direção a uma nova realidade, a um novo país, e essa mudança se dá justamente quando exaltamos aqueles que, como Nelson Rodrigues, nos ensinaram a ter orgulho de sermos quem somos, na dor e na delícia, na base do tranco e do solavanco, absurdamente brasileiros.