Um Brasil, assim, de lado, de riso nervoso. De gritos histéricos. Um Brasil Trans. Escatológico. Vestidinho de saco de lixo. Sentando em um canto, um longo vermelho, sapato de salto alto, comendo gelado. Ninguém para apertar o play. Simpatia para o amor, cidra para brindar. A precariedade, meu deus!, a precariedade. É sobre a índia que se dá o direito de limpar o chão para sujá-lo depois. Exausta. Andando em círculos, rebolando até o chão. Os olhinhos virados para trás, como que em transe. Que lugar é esse – luzes de neon?
A sinestesia: “uma certa experiência de Brasil”. Não é qualquer sinestesia. O cheiro é o do café, grão que nomeia e designa nossa trajetória política-econômica-social. A marmita é de arroz e feijão, aquele, da mesa diária. Uma lata de milho, cuja procedência é não se saber a procedência. A alfazema, que é para perfumar. Nenhum talher, que é para usar as mãos.
A cantora Gal Costa tem um site destinado a ela, em que há uma biografia sua. Em cada ano de sua vida, há um breve texto sobre o período. 1972 é apresentado por Eduardo Logullo e diz o seguinte:
Há que se dançar: apresentar o peito como armadura e mostrar a força do rebolado.
“O início de 1972 ficou conhecido como ‘o verão do desbunde’, termo originado do verbo desbundar, que, segundo os dicionários, significa ‘perder o autodomínio, enlouquecer, loucura, desvario’. Foi apenas isso? Quem era jovem no Brasil, teria dois bons motivos para desbundar : 1) acompanhar a possibilidade de sonhar com uma nova era, voltada a valores espirituais e pouco materialistas; 2) esquecer a repressão política e o estado sem direito instaurado pela ditadura militar. Aliás, nos anos 70, a América Latina era um antro de ditaduras por todos os lados. Sonhar com novos rumos fazia parte do pensamento libertário e da estética contracultural da época.”
Eu reúno, com esse trecho, algumas das coisas que fazem parte do universo do trabalho Confete da Índia, de André Masseno: Gal Costa, o desbunde, o período da ditadura militar, a estética contracultural e o sonho – sempre: o sonho.
Enlouquecer, parece ser esse o convite. Lutar. Perder o autodomínio e, desse jeito, ser mais forte. O trabalho, árduo, a olhos vistos. Um corpo que explode, poderoso, em êxtase e gozo. É erótico e é também tristíssimo. Dói. A solidão da travesti. O artista fora de cena – quantas coisas cabem na vontade de uma recepção-não-interpretativa? Estamos, de novo, falando sobre colonização? Somos nós, todxs, especiarias de uma Índia que não se encontrou? Descoberta por acaso, pelo avesso. Uma rota que não deu certo. No lugar do destino: pau, pau-brasil, Vera-Cruz, Brasil? Brazil. Modernos de 22. Tupi or tupi: são poucas as opções.
A história é cíclica. Cínica, também. 31 de março, daqui a pouco, teve um golpe. O desbunde, de novo, soando necessário. Se vai ou não ter golpe, mais uma vez (NÃO PODE!), parece que há uma presença que não cede. Não se pode parar, você não vê? Não importa a peruca desfeita, não importa que seja um café mal passado, beber-no-bico, comer-com-a-mão, cair do cavalo, quebrar a cara. Não importa. Há que se dançar: apresentar o peito como armadura e mostrar a força do rebolado.
SERVIÇO | O Confete da Índia
Quem: Performer André Masseno;
Onde: Casa Hoffmann | Rua Claudino dos Santos, 58;
Quando: 26 de março, sábado, às 21h;
Quanto: R$70 e R$35 (meia) + taxas.
Esse texto surge também atravessado pelo Encontro de Crítica, que aconteceu depois do espetáculo, com a coordenação de Daniele Avila Small e Luciana Romagnolli e com a participação de Daniel Toledo e Mariana Barcelos. Os Encontros vão acontecer durante todo o festival. A programação pode ser vista aqui. Participe!