Ainda que seja difícil e perigoso se referir à produção artística de certo contexto como “uma produção”, é interessante quando obras de arte são articuladas em um único panorama que, ao invés de reduzir, permite uma ampla visão sobre a maneira com que a arte é exercitada em determinado circuito. A realização de um mapeamento faz com que a “cena” seja melhor vista, revelando, assim, as especificidades de cada produção e a multiplicidade do teatro na cidade. Reunir manifestações artísticas desse modo, mobilizando-as a partir de temáticas centrais, é uma maneira de perceber as formas com que, coletivamente, o desenvolvimento das artes cênicas acontece.
Os trabalhos que eu reúno aqui têm em comum pesquisas que se aproximam a temáticas que envolvem certa noção de identidade e que centralizam questões políticas no trato com a história, os contextos sociais e outros assuntos. As abordagens estão refletidas nas escolhas cênicas, na maneira com que os espaços são utilizados e os discursos são proferidos – são obras de arte que se efetivam também como um pensamento sobre o próprio teatro, o artista e o contexto em que essa arte “acontece”. É esse o principal recorte.
Os processos indentitários foram intensamente discutidos nos palcos em 2015. Foi assim com Iracema 236ml – O Retorno da Grande Nação Tabajara (leia aqui), da Selvática Ações Artísticas, que a partir de uma transcontextualização da obra de José de Alencar toca nos principais “traumas” da nação brasileira. E também foi assim com Paranã (leia aqui), do Espaço Cênico, que a partir de textos de três autores paranaenses, Wilson Bueno, Dalton Trevisan e Domingos Pellegrini, desenvolveu uma estética que cria imagens “genuinamente” paranaeneses e curitibanas, em uma perspectiva relativamente semelhante com a que Catatau – a Justa Razão Aqui Delira (leia aqui) foi apresentada, em uma adaptação do livro homônimo de Leminski, enfatizando os limites da linguagem.
O desejo de re-escritura se fez presente especialmente em duas produções. O Incrível Menino Preso na Fotografia (leia aqui) e O Negrinho do Pastoreio (leia aqui), ambas da Mataveri Cultural, surgiram, em um momento de conturbação política no país, como importantes obras para se pensar a ditadura militar brasileira e as questões raciais que, com mais frequência do que gostaríamos, se revelaram bastante ativas e nocivas.
A realização de uma espécie de mapeamento faz com que a “cena” seja melhor vista, revelando, assim, as especificidades de cada produção e a multiplicidade do teatro na cidade.
São também dois os trabalhos resultantes de uma pesquisa aprofundada sobre a utilização do espaço cênico e sobre uma criação híbrida entre teatro, dança e performance: Incêndio (leia aqui), da Ana Ferreira e Terrário – Dança Privê em um Portal Tridimensional, do Maikon K (leia aqui).
O artista e sua aura, seus discursos e sua figura também foram temas de algumas peças, tais como Artista de Fuga (leia aqui), da Araucária Produções Artísticas, Palhaços (leia aqui), peça dirigida por Mariana Zanette, e A Volta (leia aqui), dirigida por Paulo Alves.
É interessante a relação existente entre Os Pálidos (leia aqui), da Cia Senhas e o Projeto bRASIL (leia aqui), da Companhia Brasileira de teatro, dois trabalhos extremamente importantes para se pensar as questões políticas e o modo como nos afetam, diária e sensivelmente. O ano da Cia Senhas começou com o evento Gilda Convida Maria Bueno (leia aqui) em que a relação com o espaço público foi utilizado como uma maneira de convergir discussões de classe, de gênero e tantas outras que nos atravessam continuamente, e terminou com a peça Os Pálidos, que se inspira em Buñuel para falar sobre “perturbações” sociais. A Companhia Brasileira de Teatro, por sua vez, apresentou uma peça com caráter performático como resultado de uma grande expedição que os artistas fizeram por todo o país, apresentando um retrato de um Brasil distante dos estereótipos em diálogo com teóricos tais como Jacques Rancière e Eduardo Viveiros de Castro.
A produção curitibana, no entanto, não se resume a isso. Aproveite para pesquisar, ler e reler os textos sobre os vários trabalhos que passaram aqui pela Intersecção em 2015!