O Brasil é atualmente um país em ruínas, basta passar os olhos pelas ruas, pelas redes sociais ou pelos cadernos dos jornais para compreender a afirmação. Vivemos tempos estranhos, onde a impossibilidade diante dos absurdos tomou proporções gigantesca e, na maioria das vezes, estúpidas. O raciocínio foi substituído pela ira, a razão deu lugar à intolerância e a beleza foi subtraída em nome da ordem. Nesse contexto, falar de arte, e de teatro, não é apenas sacerdócio, é direito e absolutamente necessário.
O paraíso é sempre particular, toca fundo em cada um e varia de gente a gente. Alguns se apegam aos sonhos, outros à fé, e outros ainda se refugiam na luta. Aos artistas acredito que sempre falou a terceira opção, através das grandes obras que pretendemos, das montagens que nunca concluímos ou dos cantos escuros de um palco no qual nunca pisamos. [highlight color=”yellow”]O desejo move aqueles que fazem cultura.[/highlight]
Um desses palcos indispensáveis é o palco do Teatro Brasileiro de Comédia, TBC, [highlight color=”yellow”]um marco do teatro no Brasil e no mundo.[/highlight] A importância desse prédio, e da história que vive entre as fendas de seu concreto, é inegável para todos aqueles que veem no teatro uma arte digna de memória e preservação. Cravado no centro de São Paulo, mas especificamente no Bixiga (Bela Vista), o teatro criado por Franco Zampari foi um espaço para diversos artistas brasileiros iniciarem seus passos pelos palcos.
Por lá passaram grandes nomes como Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Paulo Autran, Tônia Carreiro, Walmor Chagas e Fernanda Montenegro, entre outros. Seu edifício, ainda hoje localizado no número 315 da Rua Major Diogo, é de uma beleza ímpar. A imponente fachada, com suas portas de ferro cerradas há anos, permanece a mesma apesar do descaso e da ação do tempo. As três “sacadas”, como dizem os moradores do bairro, ainda guardam a elegância dos tempos áureos do teatro paulistano e resistem ao abandono forçado.
É inadmissível que o Teatro brasileiro de Comédia seja leiloado à luz do dia, passado às mãos de empresários que só se importam com o lucro em detrimento da vida artística da cidade.
Pois bem, apesar de toda a sua significação para a cultura nacional, o Teatro Brasileiro de Comédia ficou jogado às traças durante anos. Diversos projetos foram apresentados para restaurar e recuperar o fantasma que habita o Bixiga, no entanto, nada foi feito. Num descarado “deixa que eu deixo”, os engravatados do MinC foram colocando o teatro debaixo do tapete e, como sempre, tocamos a vida sem lembrar do gigante adormecido, ao menos até o último Outubro. Foi nessa época que o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, anunciou ao vento: a saída possível para o teatro brasileiro é a privatização. Sim, parece comédia e da pior espécie, mas é a mais pura realidade brasileira.
Sabemos da gana pelo desmonte que move o atual governo brasileiro. Sabemos também da luta que decidiram travar contra a nossa cultura. Por isso, e pelo simples fato de que é preciso desconfiar de todo governante atualmente, a notícia caiu como uma bomba na classe artística. Tão logo a coisa se espalhou, o levante já estava organizado: diversos figurões da cena teatral saíram em defesa do teatro, gravando vídeos e dando declarações a respeito do caso. Sergio Mamberti, ex-presidente da Funarte, desceu a lenha. “O ministro não nos fez nenhuma consulta, não conversou nem discutiu isso com ninguém. Simplesmente foi lá e anunciou. O Teatro Brasileiro de Comédia é um marco do teatro brasileiro”. Depois dele vieram Zé Celso, Fernandona, Clarisse Abujamra, Walderez de Barros e tantos outros. Todos gigantescos, precisando a essa altura da vida defender o óbvio. Que tristeza, Brasil.
Como fazemos coro aos nossos santos de cabeça, e diante do absurdo do fato, não poderíamos ter opinião contrária. Por isso, esse texto tem um lado definido: defenderemos com unhas e dentes, com sonhos e cenas a nossa história. Travaremos todas as batalhas possíveis para defender qualquer um de nossos palcos, afinal, como bem disse Cacilda Becker, todos os teatros são nossos teatros.
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É inadmissível que o Teatro brasileiro de Comédia seja leiloado à luz do dia, passado às mãos de empresários que só se importam com o lucro em detrimento da vida artística da cidade. [highlight color=”yellow”]Defender o TBC é defender o próprio teatro brasileiro[/highlight] e não há de se ter cerimônias diante do abuso. População e artistas devem se unir para garantir que não percamos mais essa preciosidade nacional.
A comédia em que se transformou a política tupiniquim não vai nos tomar o espetáculo da vida. O Teatro Brasileiro de Comédia é nosso, e assim continuará independente da vontade desses homens feitos de ganância e descaso. O teatro brasileiro resiste, e atualmente o TBC é a nossa trincheira mais fértil. Vamos à luta!