Esta entrevista foi publicada parcialmente na Folha de S.Paulo de 19 de abril de 2017. Aqui, você a lê na íntegra.
Para o historiador e crítico argentino Jorge Dubatti, “todo amante do teatro torna-se um filósofo do teatro”. Ele aposta no potencial duplo de paixão e conhecimento dessa arte. Por isso, difunde há 20 anos diferentes bases teóricas para se aprimorar a experiência de ver um espetáculo – e aquilo que se diz sobre ele depois, seja no bar ou num artigo acadêmico.
Talvez, Dubatti seja um caso único na América Latina de pensador com trânsito entre seus pares, artistas e público em geral. Basta dizer que é o fundador da Escola de Espectadores de Buenos Aires, onde ministra aulas com lista de espera sobre o que acontece na cena teatral portenha.
Ele veio ao Brasil neste mês de abril lançar uma síntese e tradução em português do livro O Teatro dos Mortos: introdução a uma filosofia do teatro, feita por Sérgio Molina e lançada pela Edições Sesc. O título diz respeito à brevidade do acontecimento teatral, que só acontece ao vivo.
Em entrevista por e-mail, ele fez um breve panorama da pesquisa sobre teatro na América Latina. Falou ainda de outros pontos, como o potencial do teatro político:
Escotilha: O senhor tem fomentado a filosofia do teatro. Analisar uma obra teatral por meio da semiótica, ou seja, dos signos presentes na obra, é insuficiente?
Jorge Dubatti: Há muitas construções científicas sobre o teatro, e cada uma defende uma abordagem diferente, com possibilidades e limitações distintas. As principais são a semiótica, a antropologia, a sociologia e a filosofia. A semiótica entende o teatro como linguagem, enquanto a filosofia do teatro o compreende como acontecimento, que é uma ideia muito maior. É fundamental que cada pensador saiba que não há uma única maneira de pensar o teatro, e que essas formas podem se combinar e enriquecer mutuamente. Em Buenos Aires, acreditamos que a forma de compreensão mais rica e abrangente do fenômeno teatral seja a filosofia do teatro, entendida como filosofia da práxis teatral. Daí surge o protagonismo dos artistas na produção desse pensamento.

‘A semiótica entende o teatro como linguagem, enquanto a filosofia do teatro o compreende como acontecimento, que é uma ideia muito maior.’
O livro fala no aumento do número de artistas pesquisadores. De que forma essa tendência faz avançar as investigações teóricas a respeito do teatro?
A universidade está começando a aceitar as ciências da arte, no sentido da produção de discurso científico (rigoroso, sistemático, fundamentado e validado por uma comunidade de especialistas) sobre os fenômenos artísticos. Também valoriza cada vez mais os artistas na produção do pensamento, um pensamento que surge da prática, numa filosofia da práxis artística. As combinações são múltiplas: o artista-pesquisador, o pesquisador-artista, as parcerias entre artistas e pesquisadores, e um novo modelo de pesquisador, aquele participativo, que, sem ser artista, faz do meio teatral seu laboratório, seja como espectador ou alguém próximo ao contexto de produção, circulação e recepção. Os artistas-pesquisadores e essas outras combinações produzem um pensamento único, específico, singular, que deve ser promovido e estimulado pela universidade, que se vê diante de um grande desafio na articulação com as artes. Basta ver a importância dos textos produzidos por artistas-pesquisadores: Stanislavski, Artaud, Peter Brook, ou, na América Latina, Mauricio Kartun (Argentina), Luis de Tavira (México), Miguel Rubio (Perú) e Antunes Filho (Brasil) como produtores de pensamento sobre teatro.
Essa transformação acontece em vários países da América Latina?
Em todos. E creio que, com maior ou menor desenvolvimento, trata-se de um processo de reconhecimento que ocorre no mundo todo.
Existe alguma proposta para “controlar cientificamente a qualidade da produção de teatrologia”, conforme o senhor sugere no livro?
Cada comunidade de especialistas possui suas coordenadas de validação, de acordo com as bases epistemológicas, teóricas, metodológicas e analíticas que lhe parecem melhores. Muitas vezes, essas diferentes coordenadas de validação geram discussões apaixonadas. A ciência é uma aventura cheia de paixão.
‘O teatro político entrou numa onda de multiplicidade, e isso é uma grande conquista para a força política do teatro.’
Considera que a predominância do teatro político hoje estimula uma parcela de produções panfletárias?
Creio que, na América Latina, ampliou-se o conceito de teatro político. Hoje, observamos a força política do teatro em todos os níveis de sua prática, na medida em que incide em um campo de poder que vai além dos partidos políticos, mas que pode incluí-los, também. É preciso distinguir micropolítica de macropolítica. A primeira, é a construção de territórios de subjetividade alternativa. A segunda, os grandes discursos de representação institucionalizados (capitalismo, neoliberalismo, socialismo, peronismo etc.). Hoje se faz teatro micropolítico e macropolítico, com procedimentos muito diversos, desde um teatro de imposição de ideias, de exposição (sem imposição), até um teatro de estimulação, que mostra uma situação mas não oferece a saída. O teatro político entrou numa onda de multiplicidade, e isso é uma grande conquista para a força política do teatro.
Como se cria uma escola de espectadores?
É um espaço permanente onde se convoca espectadores para analisar a cena teatral da cidade. Trata-se de estimular os espectadores a descobrir e alimentar a maravilha do teatro. Em Buenos Aires, a Escola de Espectadores tem 340 alunos e uma longa lista de espera. Ela gera movimento de público e espectadores cada vez mais inquietos. Apostamos num espectador companheiro, crítico e filosófico.
O TEATRO DOS MORTOS: INTRODUÇÃO A UMA FILOSOFIA DO TEATRO | Jorge Dubatti
Editora: Edições Sesc;
Tradução: Sérgio Molina;
Tamanho: 204 págs.;
Lançamento: Dezembro, 2016.
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