Rosignano Marittimo é uma comuna italiana da região da Toscana, província de Livorno, conhecida por sua beleza e pela calma que reina nas silenciosas ruas de sua vila. Com pouco mais de trinta mil habitantes, o lugar parece ter parado no tempo, no melhor sentido da afirmação. Quem hoje aprecia a comuna não imagina que em meados da década 1930 um esquadrão fascista rompeu os limites da cidade para destruir um monumento erigido em homenagem a Pietro Gori.
Anarquista italiano, nascido em Messina no ano de 1865, Pietro foi advogado de profissão, mas foi à militância política, inclusive através do exercício do direito, que Gori dedicou a sua vida. Fosse diante de um júri defendendo um companheiro anarquista da perseguição do estado, fosse diante de centenas de obreiros numa de suas famosas conferências ou até mesmo como ator, no centro de um palco, encenando uma das peças que escreveu.
Pietro Gori: uma vida entre a grade, o cimento e o sonho
Durante sua vida, Pietro Gori foi vítima de perseguição de todos os tipos. Preso diversas vezes por acusações enviesadas, como por exemplo “incitar o ódio entre as classes”, o homem viveu entre prisões e passeatas, entre o pesadelo e o sonho, como um pêndulo enlouquecido.
Após a aprovação das leis antianarquistas durante o governo de Francesco Crispi, Gori é obrigado a deixar a Itália e parte para a Alemanha. O advogado estava preso há duas semanas, acusado como mentor do homicídio do presidente francês Sadi Carnot. Depois de passar por Alemanha e Bélgica, passa uma temporada rápida em Londres, onde mantém contato com anarquistas reconhecidos e de onde parte em direção a Nova Iorque para iniciar uma série incansável de conferências.
A estada do anarquista na capital argentina é, de certo, a fase em que mais pensou e usou o teatro como forma de transformar a sociedade e organizar trabalhadores e grupos sindicais.
Dos Estados Unidos, Gori parte para a Argentina, mais especificamente para a cidade de Buenos Aires, onde fica de 1898 a 1902. Foi nesse curto período que Pietro se dedicou com mais entusiasmo, e de maneira mas sistemática, ao teatro, de modo que a estada do anarquista na capital argentina é, de certo, a fase em que mais pensou e usou o teatro como forma de transformar a sociedade e organizar trabalhadores e grupos sindicais.
Teatro: uma forma de irradiar palavras libertárias
Pietro Gori não foi lá um dramaturgo incomparável. Escreveu pouco, apesar de muito bem, e além de ser autor das mais famosas canções anarquistas, como “Addio Lugano”, é também responsável por pelo menos duas obras-primas do teatro: Il Primo Maggio e Sin Pátria.
Como um homem que almeja transformar o mundo, Gori fez do teatro ferramenta para alcançar seus objetivos. Se por um lado é preciso admitir que o teatro não era o fim, mas sim um meio, por outro é preciso entender que, apesar da frequente intervenção do Estado e dos problemas financeiros que o autofinanciamento pressupõe, o teatro libertário que Pietro Gori e seus companheiros sonharam e produziram é a prova de que a arte, as ideias, podem mudar o mundo e, talvez, sejam a única chance que temos contra o horror.
As peças de teatro eram apresentadas em diversos lugares: sindicatos, espaços culturais, grandes teatros e algumas vezes até em praças. O público, diferente dos locais, era sempre o mesmo: trabalhadores e suas famílias. Na maioria das vezes, essa era a única oportunidade que esses trabalhadores tinham de assistir a uma peça. À época, como em muitos casos dos dias atuais, os teatros eram restritos a uma burguesia asséptica e cerrava as suas portas para os “obreiros”, sapateiros, operários e para a população.
Os textos tratavam de temas comuns, com características culturais e sociais bem demarcadas para comunicar ao público, pessoas que por falta de dinheiro ou de tempo não podiam ter acesso à cultura. Os cenário eram simples, a mensagem clara e direta e as cenas tinham curta duração. Havia lutas entre personagens contrários, como o patrão e o trabalhador, e o tom de discurso imperava.
A dificuldade em conseguir atores era comum, principalmente mulheres, de modo que muitas vezes a criação dava-se de acordo com as cartas que havia na mesa para a realização. A intenção era única: provocar os trabalhadores por meio da propaganda, fortalecer nesses trabalhadores o ideal libertário e criar, nesse público, a certeza de que tanto a liberdade quanto a justiça precisam ser conquistadas e que a organização em torno das ideias anarquistas era o meio de se conquistar esses tesouros.
Outra característica interessante das práticas cênicas de Pietro Gori foi a mudança do local de encontro e discussão. O que antes era feito nos bares, regado a cerveja, vinho e a informalidade, agora dava-se em salas de espetáculo com conferências e debates após as apresentações. A escolha não é apenas uma forma de valorizar a peça a ser apresentada; a luta contra o alcoolismo na classe operária era uma das principais bandeiras dos anarquistas de Buenos Aires, além da inclusão de trabalhadores e trabalhadoras na criação de obras culturais através de concursos literários, festivais de canções e grupos de teatro, a maioria deles realizados na famosa Casa del Pueblo.
Caminamos! Caminamos!
À primeira vista, é possível que o teatro de Pietro Gori e seus discípulos anarquistas pareça hoje empoeirado, ultrapassado e até mesmo medíocre. Em épocas de escavações estéticas profundas, de obras cultuadas por sua difícil compreensão e de gênios tão incompreendidos, um teatro simples, cuja única pretensão é ser acessível e libertador, é de fato desinteressante para os amantes do teatro moderno.
No entanto, vivemos uma época diferente, com um tanto de guerra e outro tanto de desespero, e é nesse cenário que o teatro de Pietro Gori torna-se imbatível. A obra e as ações de Gori nos provam que independente das impossibilidades e da perseguição, uma arte verdadeira, combativa, que se nega a ficar de joelhos, pode servir de inspiração e exemplo para artistas colocados contra a parede.
Há de seguir o conselho de Gori quando diz que a “luta é eterna, vivaz e constante. A luta é por mim, por você, por todos. A luta é pela compreensão de que só uma pátria é possível: o mundo, e que a família deve ser pelo menos toda humanidade”.
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