O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para julgar, no próximo dia 26 de abril, dois processos de maior interesse para a classe artística: a ADPF 183 e ADPF 293 (entenda o que é uma ADPF clicando aqui).
A primeira se trata de uma ação movida no ano de 2009 por iniciativa do Deputado Estadual Carlos Gianazzi, do PSOL, através da Procuradoria Geral da República (PGR). A ação busca a extinção da exigência de apresentação, por parte dos músicos, da carteira da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), e se justifica através do direito constitucional do livre exercício profissional e do direito de liberdade de expressão e manifestação artística, conforme decisão do Ministro Celso de Mello em 17 de Julho de 2009.
A segunda delas, ADPF 293, aplica o mesmo princípio da ADPF 183, porém no campo dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversão. Essa solicita o fim da exigência do diploma superior ou técnico e, quando da ausência destes, do Atestado de Capacitação Técnica para a emissão da DRT. Apesar de ambas ações correrem há anos no subsolo do judiciário brasileiro, a questão se tornou pública depois do posicionamento de diversos artistas, a maioria deles contrário às intenções das ADPFs.
O imbróglio, que começou na semana passada, teve início após uma publicação da atriz Isabella Santoni, que além de condenar as iniciativas lançou a hashtag #profissaoartista. A carioca, graduada em Teatro pela UniRio, considera a extinção da DRT uma desregulamentação da profissão e acredita que a decisão, se favorável, seja uma clara ameaça aos direitos conquistados a duras penas pelos trabalhadores da cultura através dos anos.
Não demorou muito para que diversos artistas, anônimos e famosos, aderissem à campanha de Isabella. Atos e reuniões foram convocados, milhares de postagens inundaram as redes sociais, artistas de peso, muitos deles globais, lançaram um vídeo em defesa da causa. “Resistir contra mais esse abuso” é o lema da categoria, sucateada desde os primórdios. Em pouquíssimo tempo, a discussão tomou as ruas, os bares e os corpos envolvidos ou não na causa e, como sempre acontece nesses casos, não demorou para que surgissem diversos boatos, informações mentirosas ou imprecisas e calúnias de todos os tipos.
As questões não são simples. Por trás da escrita jurídica, quase incompreensível aos leigos, estão algumas concessões do Estado, imposições dos órgãos controladores e discussões em torno da acessibilidade à tão sonhada ‘permissão’.
A coisa é ampla e exige cuidado de ambos os lados. Se por um lado, conquistas efetivas não podem ser jogadas na lata do lixo, inclusive por conta das lutas envolvidas no processo dessas vitórias; por outro, é preciso compreender que o atual modelo defendido tanto pelo Sated quanto pela OMB estão longe de ser os ideais para o que se propõe. Assim como é justa a reivindicação dos artistas a respeitos dos possíveis benefícios perdidos, como aposentadoria, por exemplo, é justo levar em conta as tantas reclamações, a maioria devida, em relação aos processos que envolvem os dois órgãos.
As questões não são simples. Por trás da escrita jurídica, quase incompreensível aos leigos, estão algumas concessões do Estado, imposições dos órgãos controladores e discussões em torno da acessibilidade à tão sonhada “permissão”. Até que ponto um artista precisa provar a quem quer que seja a sua capacidade, como acontece com os advogados em relação à OAB, por exemplo? Existem impedimentos técnicos? Existem critérios transparentes? Difícil responder. Em recente postagem no Facebook, o próprio presidente do Sated-SP, Dorberto Carvalho, dá o tom trágico da coisa. Segundo ele, ” São inúmeras as críticas da categoria sobre os critérios para obtenção do chamado DRT via Sated-SP e, por isso, é necessário um amplo debate entre artistas, técnicos e escolas para se estabelecer critérios objetivos”.
Diante da complexidade e relevância da discussão, e por ter a certeza de que os bate-bocas cibernéticos tendem a transformar em pastiche e FLA X FLU qualquer debate, independente de sua urgência, a coluna “Em Cena” acredita que a única saída para a questão seja a informação irrestrita e, através disso, a discussão com todos os envolvidos: artistas, técnicos, público e toda a nação brasileira. Por isso, e por crer que um espaço que se propõe ao debate artístico tem também a obrigação de se posicionar diante do tema, preparamos uma série de três artigos a respeito das ações em trânsito no STF, sendo este primeiro uma breve introdução ao todo.
Apesar de não prometermos isenção, afinal, acreditamos que tanto o jornalismo quanto qualquer tipo de obra, seja ela escrita, filmada, pintada ou representada, exige um posicionamento claro diante do mundo, prometemos, e não temos medo de fazê-lo publicamente, tratar o assunto com a seriedade e importância devidas. Não faremos lobby com essa ou aquela instituição, tão pouco com o atual Supremo Tribunal Federal, atualmente covil de urubus presos à sua própria imagem e poder. Nosso único intuito é possibilitar a cada leitor informações relevantes para tirar suas próprias conclusões, ao invés de corroborar as ideias de quem quer que seja por fanatismo, preguiça ou complacência.
O trabalho é árduo e infindo, sabemos. No entanto, nos propomos à tarefa hercúlea com a certeza de que é preciso, acima de tudo, exercitar o apreço pela democracia, tão violentada nos últimos tempos, e o respeito às opiniões que fogem ao nosso círculo restrito de amizades e heróis. Pedimos aos leitores que se envolvam com a discussão, que tragam ideias e pontos e vistas diversos, afinal, é assim, e só assim, que poderemos encontrar uma luz no fim do túnel negro que atualmente encobre o brilho das estrelas de Pindorama. À luta!