Sei que parece contraditório afirmar que The Get Down, nova aposta da Netflix, é vibrante e, ao mesmo tempo, maçante. Mas ao final dos seis episódios que encerram a primeira parte da primeira temporada, a impressão é de que a série acerta em cheio em diversos momentos, mas erra ao deixar os episódios longos demais. Não é uma série para maratonar, porque é um pouco cansativo assisti-la em uma sentada só, proposta que a Netflix vem abraçando em suas estratégias de divulgação. Embora andem dizendo que essa dificuldade para assisti-la em um dia é por causa de sua densidade, arrisco a dizer que, na verdade, é porque a série acaba te jogando num espiral de som e imagem que fica complicado entender o que acontece em cada frame.
Baz Luhrmann, criador da série, é conhecido por sua direção em Romeu + Julieta, Moulin Rouge e O Grande Gatsby. Para quem curte os excessos do diretor, tudo está lá para ser devorado: um musical empolgante, cores fortes, histórias épicas, amores impossíveis e grandiosos, tudo envolto por uma câmera frenética e um melodrama que beira o mexicano.
The Get Down conta a história da ascensão do hip hop nos Estados Unidos em 1970, especificamente no Bronx, o começo da decadência da disco music, o grafite como expressão da arte de rua e a voz do gueto ganhando representatividade. Nova York vivia uma tensa recessão em 1977, as temperaturas alcançavam quase os 40 graus Celsius em um verão atípico e um apagão, que entraria para a história, gerou uma onda de assaltos e depredações nas 25 horas em que a cidade ficou sem energia. No meio disso tudo, Shaolin Fantastic (Shameik Moore) e Ezekiel Figuero (Justice Smith) aparecem como dois músicos aspirantes, líderes do quinteto The Fantastic Four Plus One, formado por Boo-Boo (Tremaine Brown Jr.), Ra-Ra (Skylan Brooks) e Dizzee (o inexpressivo Jadan Smith). Todos eles buscam encontrar a receita ideal para a batida perfeita do hip hop enquanto lutam com a vontade de sair do violento bairro esquecido pelo governo.

A série da Netflix tem uma proposta similar à produção da já cancelada Vinyl, grande promessa do ano para a HBO, mas que falhou na audiência. A similaridade, entretanto, termina na década em que as duas histórias se passam. Se Vinyl pretendia contar sobre uma época efervescente do rock e acabou se perdendo em histórias burocráticas demais, The Get Down prefere falar de amor, de música pura e de como um grupo começou a mudar a realidade de seu entorno.
Ezekiel vive com seus tios em um apartamento no Bronx. Ele tem um talento nato para escrever poemas em forma de hip hop. Ezekiel é apaixonado por Myline Cruz (Herizen Guardiola), uma talentosa aspirante a cantora que sonha em encontrar um famoso produtor para entregá-lo uma fita com sua canção. O grande sonho de Myline é fugir do Bronx e do enérgico pai e pastor da igreja local, interpretado por Giancarlo Esposito, de Breaking Bad. A garota tem o apoio do seu tio Francisco (Jimmy Smits), um político que pretende reconstruir o Bronx e entregar moradia adequada aos habitantes.
Na metade do caminho, a vontade é diminuir o volume e torcer para que o enredo se torne sólido, mais calmo.
The Get Down trouxe alguns problemas durante a produção. Dois roteiristas pediram pra sair e Luhrmann precisou assumir o posto de controlador narrativo de toda a história. A série também é a mais cara da Netflix, tendo custado mais de 10 milhões de dólares por episódio. O investimento, entretanto, não é tão aparente assim na tela. Outra luta foi achar um canal para transmiti-la. Ainda que a Netflix se mostre uma decisão bastante acertada, bem como dividir a primeira temporada de 12 episódios em duas transmissões de seis cada uma (a segunda metade chega em 2017), a série entrega tanta informação em seus mais de 360 minuto que fica difícil digeri-la de uma vez.
A parte positiva fica mesmo por conta do contexto social e principalmente pela força de alguns personagens, com destaque para Ezekiel. Todo o elenco, em maior ou menor grau, consegue repetir o feito visto em Stranger Things, quando os atores são tão perfeitos para seus papéis que parecem inseparáveis de seus personagens. É quando The Get Down foca no hip hop e na força do ritmo para dar representatividade para aquelas pessoas que a série ganha uma força incrível. Os diálogos ganham ritmo, a bagunça vista na tela encanta e tudo parece encaixar, mesmo com a confusão de cores e movimentos.
Ao falar dos Estados Unidos da década de 1970, The Get Down versa com a atual situação dos estadunidenses, quando discursos perigosos e conservadores ameaçam a maior potência do mundo. Além do mais, a série é composta por atores negros em sua maioria, fato extremamente relevante para a televisão não apenas norte-americana, mas mundial. The Get Down também foca na cultura e na ambição de uma população geralmente esquecida pelos grandes produtos culturais. Sua produção foi composta por pessoas que realmente viveram aquele momento e que puderam colocar seu ponto de vista em toda a situação, dando voz aos negros contarem suas próprias histórias.

Mas o grande problema é que a série tenta abraçar todas as nuances em uma narrativa fragmentada demais. São tantas lentes vistas na série que, quando paramos para analisar, nada é aprofundado. Vemos o preconceito em uma Nova York que ignora um bairro cheio de problemas básicos, mas também vemos essa mesma situação de forma um tanto glamourizada e exagerada; os números musicais, muitas vezes, são bastante inspirados e empolgantes, outras vezes parecem sair de algum fraco episódio de Glee; as famílias dos personagens ora aparecem como parte importante da história, ora parecem sair de uma sitcom. A série vai se encaminhando como algo cartunesco que até envolve, mas vai se perdendo no meio de tanta coisa.
Ainda que lá para o final da temporada nós já tenhamos nos apegado à história, especialmente quando o enredo foca apenas em seus protagonistas e resolve alguns fracos arcos narrativos (o tráfico de drogas na discoteca poderia muito bem ter tido menos tempo), The Get Down leva muito tempo para estabelecer sua conexão. O grande problema aparece logo no primeiro episódio – ironicamente o único dirigido por Baz Luhrmann – que tem a duração de um longa-metragem e quer falar muito em todos os segundos possíveis. Tudo é longo, confuso e cansativo demais. Tal como a maioria de suas obras, a história central da série é enfeitada, parecendo muita coisa, quando, na realidade, Luhrmann só que contar algo básico: a história de amor entre dois jovens e os laços de amizade. The Get Down acaba sendo tão barulhenta e confusa que, na metade do caminho, a vontade é diminuir o volume e torcer para que o enredo se torne sólido, mais calmo, pra que a gente possa entender tudo o que é jogado em episódios com quase uma hora de duração cada um.
Ainda assim, quem comprar a ideia vai conseguir se envolver com a representação de uma época bastante colorida e divertida. Entretanto, The Get Down seria muito melhor se pisasse no acelerador e focasse na sua história principal sem tentar ser mais do que realmente é. É digno e importantíssimo querer falar sobre o nascimento do rap, sobre a periferia, sobre adolescentes, sobre religião como forma de controle, sobre corrupção e sobre crime organizado, mas quando tudo isso é jogado de uma vez, o que poderia causar reflexão gera apenas cansaço visual.
Assista ao trailer de “The Get Down”
https://www.youtube.com/watch?v=NaxfH5v8YR0