Não adianta mais termos esperanças de que American Horror Story repetirá o feito visto em suas duas primeiras temporadas. Especialmente no segundo ano, intitulado Asylum, a antologia conseguiu mesclar uma história de horror fascinante, ótimos personagens, humor na medida certa e boas reviravoltas. No decorrer dos anos, a série mostrou flashes de inspiração aqui e ali, [highlight color=”yellow”]mas nunca mais manteve uma linearidade na narrativa.[/highlight]
A sétima temporada, que terminou no fim de novembro, trouxe uma crítica ferrenha sobre os Estados Unidos de hoje, a vitória de Donald Trump nas urnas e a paranoia constante dos norte-americanos. Não houve nenhum tipo de filtro ou subterfúgios para falar sobre política. Um grande acerto, sem dúvida, mas que foi perdendo a força quando o próprio discurso da série se tornou ridículo demais.
A série apenas reforça a teoria da ferradura, que tenta explicar a proximidade entre ideologias tanto de esquerda quanto de direita.
Ally (Sarah Paulson) é uma nova-iorquina traumatizada pelos ataques de 11 de setembro. Ao longo de sua vida, ela desenvolveu três fobias: ansiedade por objetos ou formas que tenham pequenos buracos ou cavidades, conhecido como tripofobia; coulrofobia, medo irracional de palhaços; e hemofobia, medo irracional de sangue. Foi com a ajuda de sua esposa, Ivy (Alison Pill), que ela aprendeu a controlar seus medos, mas com a vitória de Donald Trump nas eleições, suas fobias começam a ficar sérias novamente. Envolvida numa trama de medo e paranoia, Ally percebe que pode estar sendo manipulada por um culto assassino que atua pela cidade mas ninguém parece acreditar nela.

No início, a temporada conseguiu magistralmente mostrar como o medo pode paralisar e, ao mesmo tempo, fazer com que cidadãos entrem num nível de paranoia galopante a ponto de achar que a única solução para um país seria votar em alguém radical. Em diálogos muito bem construídos, American Horror Story: Cult falou claramente o que todos que eram a favor de Hillary Clinton (ou ao menos contra Trump) tinham em mente.
A série faz uma análise sobre a vitória do empresário, sobre como os norte-americanos subestimaram a inteligência de Trump e sobre como, de certa forma, os republicanos trabalharam muito bem em cima do senso comum, algo que, segundo Kai Anderson (Evan Peters), era o que faltava aos Estados Unidos. O senso comum, enfim, seria o que o povo gostaria de ouvir naquele momento.
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Interessante também foi a forma como Ryan Murphy e Brad Falchuk, os criadores da série, falaram sobre machismo, misoginia e o poder feminino. A personagem de Sarah Paulson aparece sempre bastante afetada, histérica e gritando, o que leva o espectador a rapidamente julgar a personagem como uma mulher descontrolada. Mas, aos poucos, isso vai sendo jogado na cara do público como uma forma de refletir o papel da mulher diante de situações extremas e a forma como a sociedade vê as diferentes formas de descontrole: uma mulher é surtada, um homem é apenas um homem nervoso, porém firme.
Ao menos em seus primeiros cinco episódios, a série conseguiu abordar bem temas como imigração, misoginia, supremacia branca, mídia manipulada e manipuladora, os direitos das mulheres, questões ambientais, a fragilidade masculina e por aí vai. Os problemas começam quando os roteiristas tentam dar uma certa razão aos dois lados da moeda, algo louvável se não fosse a falta de controle na hora de concluir a história.
Veja bem, uma obra não tem a menor obrigação de terminar de forma mastigadinha e deixar para o público reflexões para que ele mesmo tire suas próprias conclusões é fascinante, mas [highlight color=”yellow”]a série erra ao jogar um turbilhão de personagens, ironias e temas que fica complicado entender o que foi que eles quiseram dizer com tudo isso.[/highlight]

Em determinado momento, o roteiro simplesmente cria gorduras desnecessárias para esticar a narrativa, recriando em todo início de episódio a história de um líder de algum culto famoso nos EUA, como Charles Manson, Valerie Solanas ou Jim Jones. Esses líderes são referências diretas para as ações do tenebroso Kai, mas não fazem a menor diferença para o andamento da história, já que só serve parar criar umas cenas ora divertidas, ora absurdas. Algumas críticas também são repetidas de forma uma pouco cansativa, o que faz a série cair numa repetição de episódios em que parece que nada anda. Em alguns momentos, a temporada reivindica seriedade, em outros não. Em determinados episódios, eles levam a vitória de Trump a sério, em outros apenas expõem o ridículo e a ignorância de seus eleitores.
Mas talvez o maior desserviço da temporada tenha sido a tentativa de mostrar que tanto a esquerda como a direita reacionária andam lado a lado quando a questão é radicalismo. Veja bem, é interessante mostrar este contraponto. Afinal, o radicalismo em ambos de fato é bastante perigoso, mas o que a série faz é polarizar a situação e dar a vitória a algum deles. Basicamente, a série tenta voltar na história e recriar a fatídica noite das eleições norte-americanas em 2016, dando a vitória a uma mulher e matando Donald Trump, ao menos simbolicamente. Entretanto, AHS apenas reforça a teoria da ferradura, que tenta explicar a proximidade entre ideologias tanto de esquerda quanto de direita, quando o extremismo toma conta de ambos os lados e os faz agir parecido.
Sendo mais um ato político do que uma série para discutir o medo real, American Horror Story: Cult se perde por desperdiçar um grande potencial, tornando-se apenas um rascunho do que poderia ter sido genial.