Nunca gostei muito de Amor & Sexo, o programa sobre sexualidade da Rede Globo, na grade desde 2009. Espécie de game show, sempre me pareceu que a atração se atinha muito à superficialidade do tema, enfrentado de forma mais franca por vários outros programas, e operava como uma espécie de “cota” à tolerância e à proposta educativa da emissora. Ou seja, apresentado como programa sobre relacionamentos e sexualidade, Amor & Sexo se tornava mais uma atração de humor e de exibição das celebridades da Globo. Obviamente, esta era uma impressão pessoal, desmentida pelo pequeno frisson observado nas redes cada vez que o programa ia ao ar (em especial, repercutindo suspiros à Fernanda Lima).
Atualmente, o programa está de volta para sua nova temporada, e parece encontrar um lugar bastante específico entre as atrações da emissora. Sim, o programa continua bastante conservador – ou, melhor dizendo, segue travestido de uma “conversa liberal sobre sexo”, mesmo que isso não ocorra de fato, e tentando anexar um selo de “prafrentex” para a Globo. Mas Amor & Sexo parece ter consolidado um formato paródico, com um gosto de antigamente, o que tende a agradar vários públicos. Abriu mão de uma pecha mais educativa e tornou-se uma boa diversão para os sábados à noite.
Fernanda Lima desempenha em cena um papel de um Chacrinha revisitado, certamente muito mais contida que o “velho guerreiro”. O formato caótico e carnavalesco do programa no palco lembra um cruzamento entre o clássico Cassino com uns toques de Show de Calouros do SBT, lembrança mais recente ao público que o assiste. Mesmo os “jurados” – que mais atuam como humoristas, já que nada julgam – são apresentados tal qual fazia Silvio Santos com sua trupe.
No programa especial de Carnaval, o programa se tornou num grande bloco de rua, marcado pela diversidade e pelo vale tudo típico da festa do hedonismo. “A máscara que te esconde é a mesma que te liberta”, pontua Fernanda Lima, indicando a qualidade do roteiro de Amor & Sexo e lembrando que o tema deste programa é a liberdade de ser a si mesmo a partir da fantasia, muitas vezes permitida apenas no Carnaval.
A orgia de Amor & Sexo é refinada, é algo que todos desejamos participar. Todos os participantes são, na ordem do discurso, seres ajustados e resolvidos quando o tema é o sexo.
A tolerância se fez presente nas drags e num concurso chamado Bishow, em que homens heterossexuais se travestiam e passavam por provas difíceis, como colocar meia calça usando longas unhas postiças. A drag Lorelay Fox, convidada a participar do corpo de jurados, fala, em certo momento: toda drag quando se monta se empodera, é como uma porta bandeira, tem toda uma história por trás. Vestir-se de mulher e colocar a cara na TV é um ato político, representa algo pelo qual muitos antes lutaram. Talvez tenha sido a fala mais esclarecedora do programa todo.
Mas ao invés das apresentações desafinadas e dos abacaxis e bacalhaus na plateia do Cassino do Chacrinha, associados a uma estética grotesca, do escárnio e do excesso – num espetáculo libertador, justamente porque ridículo -, a orgia de Amor & Sexo é refinada, é algo que todos desejamos participar. Todos os participantes são, na ordem do discurso, seres ajustados e resolvidos quando o tema é o sexo.
Ou seja, Amor & Sexo é excelente entretenimento televisivo, mas talvez não vá muito além disso. A própria persona midiática de Fernanda Lima é um signo exato do programa: lindíssima, ela não se permite (ou não a permitem) rir de si mesma, ser menos modelo, mais caricata. Por exemplo, nos quadros musicais que abrem o programa, a ordem é a da perfeição e da beleza, da imitação levada a sério, embora Fernanda cante bastante mal.
Um pouco mais de escárnio e um pouco menos de “zona de conforto da beleza” agregariam um certo relaxamento quanto ao sexo. Vejamos mais uma ilustração: num dos momentos informativos do programa, Fernanda Lima fala da camisinha feminina, e diz (comedidamente, é claro), que já a usou, mas o enfrentamento do tema é ainda bem tímido. Descreve detalhes do funcionamento do objeto, mas não se atreve a “nomear os nomes” (diz, por exemplo, que a camisinha é colocada “lá dentro” da mulher). Há bundas de fora e topless em cena em nome do feminismo, mas a sexualidade aqui é excessivamente cool, como um “Esquenta para hipsters da Vila Madalena”.
Se a máscara esconde e liberta, falta ainda a Amor & Sexo libertar-se, tirar melhor proveito das boas personalidades que agrega e, aos poucos, galgar mais naturalidade para tratar o tema. Talvez a atual configuração do programa seja já um avanço enorme para a grade da maior emissora do país. Enquanto isso, o sexo em sua versão crua, desglamourizada e mais hardcore – e, por isso mesmo, informativa – talvez esteja disponível em outras atrações, como P & Ponto (leia análise aqui) e nos atendimentos telefônicos do maravilhoso Falando sobre sexo com Sue Johanson, com a incrível (e octogenária) enfermeira canadense.
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