Talvez não seja exagero afirmar que, há pouco mais de duas semanas, a maior parte das emissoras televisivas esteve centralizadas em um mesmo tema – que é, claro a fuga cinematográfica do suspeito Lázaro Barbosa. Não é nada que gere estranhamento, uma vez que, de modo geral, o jornalismo tem uma espécie de atração irresistível por crimes, especialmente os que unem elementos fora do comum. Ou seja, assassinatos ocorrem todos os dias, mas nem todos interessarão às agendas jornalísticas.
O caso de Lázaro Barbosa, é claro, interessa não apenas por envolver crime (ou crimes, pois Lázaro é acusado de vários anteriores), mas sim pelos elementos extra que são acrescentados a esse cardápio: temos um homem classificado pela imprensa como serial killer (termo usado talvez de forma apressada), cujas pistas encontradas sobre ele fizeram que fosse chamado de “satanista” (algo que, como sabemos pelo menos desde o Caso Evandro, denota forte preconceito religioso) e que, sozinho, conseguiu escapar de um cerco gigantesco envolvendo mais de 200 pessoas (o que cria um certo fascínio sobre os detalhes dessa fuga, tal como se fosse um “Davi do mal” vencendo de um Golias).
Ou seja, tudo aqui é um prato cheio para que as emissoras se deleitem. Não é novidade que os canais nos ofereçam essas sedutoras narrativas sobre estas tais personalidades criminosas, como Suzane Richtofen, “Maníaco do Parque”, Elize Matsunaga, dentre outros. Por isso mesmo, eles estão sempre voltando ao noticiário quando há a oportunidade, e este parece ser o futuro de Lázaro Barbosa.
Sendo assim, creio que há algo de peculiar na forma que as emissoras estão tratando do chamado “caso Lázaro”, pela razão de que poucas vezes vimos uma narrativa de crime extrapolar os limites de todos os gêneros televisivos. Ou seja, a perseguição de Lázaro adentra tanto o típico noticiário policial (com programas como o Cidade Alerta e Brasil Urgente), os telejornais tradicionais, as revistas de variedades, mas é aproveitado também pelos programas mais leves. Lázaro está na agenda do Fofocalizando, do SBT, e mesmo nos pilares do entretenimento doméstico, como o Mais Você, com Ana Maria Braga, e Encontro, com Fátima Bernardes, ambos da Globo.
Há algo de peculiar na forma que as emissoras estão tratando do chamado “caso Lázaro”, pela razão de que poucas vezes vimos uma narrativa de crime extrapolar os limites de todos os gêneros televisivos.
Chama a atenção, portanto, que todos os programas queiram tirar uma “casquinha” desse caso. O Mais Você, que dura diariamente cerca de uma hora e meia, tem reservado cerca de 30 minutos para desdobrar novos elementos envolvendo o caso.
No dia 21 de junho, a cobertura envolve reconstituições do histórico do criminoso, além da criação de um perfil de Lázaro feito por uma psiquiatra. No dia seguinte, 22, exibe uma entrevista com Valmir Salaro, repórter da Globo que costuma fazer coberturas policiais na emissora. Ou seja, desdobra-se a pauta para um comentário de um jornalista que usa sua carreira para falar sobre o caso, embora não tenha informações novas sobre ele.

Já o Encontro também investe na mesma história – e causa um certo estranhamento ver a imagem de Lázaro projetado em frente ao cenário colorido de Fátima Bernardes. No dia 17 de junho, ela entrevista Ilana Casoy, criminóloga e autora de livros sobre serial killers, No dia 21, mais entradas ao vivo de um repórter direto do local e entrevista com moradores apavorados, além de entrevista com um instrutor de sobrevivência na selva. No dia 22, um psicólogo fala sobre o medo, e mais entradas ao vivo. No dia 24, Fátima entrevista um ex-patrão de Lázaro.
É bastante estranho ver essa cobertura explorada em atrações que, a princípio, costumam se voltar a amenidades – como receitas e memes da internet. Dá uma certa impressão, inclusive, que há um desejo inconsciente de que o caso se estenda, justamente para continuar gerando episódios para essa “novela”. Quanto mais tempo se levar para capturar Lázaro, mais elementos existirão para alimentar o espetáculo midiático.
A essa altura do texto, é possível que um leitor esteja pensando: mas não é um tema importante e de interesse público que, por isso, deveria ser sendo explorado pela mídia? É claro que sim, mas aqui há um problema de medida. O excesso de informação (a exposição exagerada ao caso, procurando todos os desdobramentos possíveis para prender o espectador na tela), somada ao fato de ela aparecer em todos os lugares, tem como consequência justamente a falta daquilo que ela consome – a atenção. E isso, sem dúvida, é um desserviço que o jornalismo presta à sociedade.
Atualização: na data de publicação deste texto, Lázaro Barbosa foi capturado e morto pela polícia de Goiás, em uma situação ainda obscura, mas que se espera que seja elucidada nos próximos dias. Será importante observar como as emissoras se portarão agora que o caso se direciona a um esgotamento – e o quanto de esforço aplicarão para que a narrativa continue rendendo, agora não só com uma história de uma perseguição, mas com um cadáver para explorar.