Na última sexta-feira, dia 31 de outubro, o país assistiu, ao vivo, ao fim de uma era: a saída do apresentador William Bonner da bancada do principal telejornal do Brasil, o Jornal Nacional. Sendo o mais longevo a ocupar esta cadeira (ele esteve lá desde abril de 1996, quando assumiu o posto ao lado de Lillian Witte Fibe), Bonner recebeu uma despedida com pompa e circunstância para passar o bastão ao seu sucessor, César Tralli. No ano que vem, passa a se dedicar ao Globo Repórter, ao lado de Sandra Annenberg.
Foram 22 minutos do telejornal dedicados a essa transição, momentos em que Bonner, Tralli e Renata Vasconcelos estiveram sentados juntos na mesa triangular da bancada em um tom muito mais informal do que é típico a esta jornalística. A sisudez do cargo, portanto, abriu espaço a um tête-à-tête bastante atípico ao formato, em que Tralli, visivelmente emocionado, de olhos marejados, via o mais importante jornalista da Globo ceder a ele o cargo mais alto.
Bonner, por outro lado, parecia tranquilo e brincalhão de uma forma em que só costuma aparecer nos bastidores (vale lembrar, por exemplo, que alguns memes que circulam sobre ele dizem respeito a imitações de celebridades). Com um tom que transitava entre o formal e o jocoso, o apresentador falou que não ia chorar, pois é “frio”.
Mas o mais surpreendente, talvez, tenham sido os momentos finais. Bonner falou que tudo o que queria era encerrar aquela noite, descer da bancada e ganhar o abraço de sua esposa. E foi isso o que ocorreu: diante de uma redação lotada, Bonner, Tralli e Renata saíram de seus postos e, pela primeira vez no Jornal Nacional, assistimos aos três mediadores centrais das notícias brasileiras irem em direção aos seus parentes, perante os olhos do público.
Por que a Globo transformou esse dia em um evento?
Muita gente criticou o excesso de personalismo nessa despedida. O colunista Thiago Stivaletti, da Folha de São Paulo, categorizou todo o mise en scène como uma “cerimônia digna de monarquia inglesa”, e destacou a informalidade assumida pelos âncoras da Globo nos últimos anos: “é só pensar que jamais vimos uma cena parecida com Cid Moreira ou Sérgio Chapelin”, afirmou.
De fato, a informalidade e a personalização do jornalismo deixou de ser uma tendência e se tornou uma regra nos telejornais nos últimos anos. Desde o começo da Escotilha, em 2015, tenho escrito sobre o investimento nesta estratégia da “humanização” de seus profissionais. É uma espécie de subversão daquilo que aprendemos sobre o jornalismo: a premissa de que o jornalista nunca é (ou deve ser) a notícia. Caso isso aconteça, há algo errado.
No fundo, é uma lástima que esse tipo de encenação precise ocorrer, pois as notícias deveriam bastar por si só.
Os tempos, porém, mudaram. E algo que talvez pouco de nós tenhamos previsto é que a descredibilização do jornalismo profissional se tornaria uma regra na última década, com o advento de fontes “alternativas” de informação, quase sempre de muito baixa qualidade, tentando convencer os cidadãos de que a verdade chegaria por outros lugares, e não pelas vozes dos profissionais da comunicação – sobretudo àqueles vinculados às grandes empresas.

Neste contexto, a estratégia da proximidade parece ser válida como uma forma da emissora conseguir legitimar os seus atores perante um público que pende para a descrença. Respeita-se então Bonner – o profissional que, em teoria, galgou o mais alto cargo em sua profissão, como editor-chefe do principal telejornal do país – não apenas pelo que se vê do seu trabalho, mas pela ilusão de que, de alguma forma, nós o conhecemos.
Por fim, não se pode deixar de considerar o aspecto comercial do evento. Conforme documentado também pela Folha de São Paulo, a Globo faturou R$ 10 milhões com essa despedida, com quatro anunciantes – Amstel, McDonalds, Nubank e Pilão – veiculando comerciais temáticos ao dia. Com tudo isso, a audiência também respondeu bem: segundo dados do Kantar Ibope em São Paulo, o JN alcançou média de 23 pontos com picos de 24.
No fundo, é uma lástima que esse tipo de encenação precise ocorrer, pois as notícias deveriam bastar por si só. Mas parece um preço que vale ser pago para que essa “máquina” chamada Jornal Nacional – a principal fonte confiável de informação para milhões de brasileiros – siga rodando de forma eficiente.
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