No último dia 25, estreou como faixa das sete na Rede Record a novela Belaventura, autoria de Gustavo Reiz e com direção-geral de Ivan Zettel. A emissora, que tinha achado seu lugar na teledramaturgia com adaptações de passagens bíblicas, sai da zona de conforto e investe em uma história medieval. Porém, apesar de trazer um frescor para o formato da novela que estamos acostumados a ver, de inovadora a produção não tem nada.
Não é de se estranhar que a Record TV esteja se aventurando em fazer novelas com esse tema, pois é um nicho que hoje em dia está em voga no mundo inteiro. A Idade Média está na moda na TV, principalmente por causa do estrondoso sucesso da série Game of Thrones, da HBO, que inspirou outras séries ambientadas neste período histórico, ou numa variante fictícia dele, como Vikings (History/Netflix) e Medici (FOX).
É um Game of Thrones para crianças, sem as características cenas de sexo e violência, e com momentos transplantados diretamente de desenhos da Disney.
Mas se engana quem pensa que as novelas medievais são novidade, afinal, em sua origem, o gênero era comum nos primórdios da nossa teledramaturgia, em folhetins desvairados assinados pela cubana Glória Magadan. Já na dramaturgia moderna, quando as tramas contemporâneas já dominavam, Que Rei Sou Eu? (1989), da Rede Globo, é a grande referência do estilo.
Mas a inspiração em GoT é evidente. O motim da trama não é nada mais e nada menos que uma guerra de tronos: os dois grandes líderes dos clãs Redenção e Valedo, Otoniel (Kadu Moliterno) e Severo (Floriano Peixoto), disputam a coroa do fictício reino de Belaventura. Também há outros pequenos indícios que mostraram, já no primeiro capítulo, que a novela tenta beber da fonte da série, como a batalha pelo trono ocorrida, a abertura (aliás, belíssima) que traz vários elementos do reino se movimentando como engrenagens, tal qual a similar estadunidense, e a cena da morte por envenenamento da duquesa Vitoriana (Juliana Knust), em circunstâncias quase idênticas ao assassinato do malvado Rei Joffrey.
A apresentação da série mostra o ator Eri Johnson sentado em um trono de ferro, ao som da música tema da série norte-americana:
Mas, diferente da série da HBO, o enredo traz elementos que deixam a novela com cara de um conto de fadas: duelos de espadas, cavaleiros, paixões avassaladoras e príncipes e princesas de reinos distantes são alguns dos ingredientes típicos que aparecem na trama. Um romance improvável entre príncipe e plebeia é o pano de fundo do folhetim: Pietra (Rayanne Moraes) é uma jovem camponesa de origem pobre e sofrida e Enrico (Bernardo Velasco) é o príncipe herdeiro da Coroa de Belaventura. E como não pode faltar em um bom conto de fadas, há a Bruxa Má: Marión, interpretada pela ex-global Helena Fernandes, é a vilã-mor que não mede esforços para conseguir se tornar rainha.
É um Game of Thrones para crianças, sem as características cenas de sexo e violência, e com momentos transplantados diretamente de desenhos da Disney, como a apresentação da mocinha Pietra ainda criança, saltitando contente enquanto colhia flores. Só faltaram passarinhos virem cantar com ela.
Mas nada é mais estranho que os “mestres da Ordem”, sacerdotes que parecem ter errado o caminho de alguma novela bíblica. É notória a preocupação da Record em evitar qualquer coisa que lembre a Igreja Católica em sua dramaturgia, mas a solução encontrada para a novela beira o ridículo.
Quanto ao elenco, além dos já citados, temos alguns nomes como Eri Johnson, Esther Góes, Giuseppe Oristânio, Juliana Didone, Adriana Birolli, Paulo Gorgulho, Benvindo Siqueira, Fernando Pavão, Paulo César Grande, Camila Rodrigues, Giselle Itiê, Larissa Maciel, Bárbara Borges, Lidi Lisboa, Angelina Muniz, Iara Jamra, Raymundo de Souza e André Mattos.
Mas não vamos tirar os méritos: a trama é interessante e possui dramas e mistérios bem construídos, suficientes para atrair a curiosidade do público em continuar assistindo. A ação caminha rapidamente e transcorre em diversos núcleos. Trata-se de um texto simples e direto, que fala despretensiosamente ao público. Uma atração para toda a família, quase como um filme da Sessão da Tarde.
E, apesar do cenário parecer um tanto quanto artificial, a produção da Record é bem fotografada. Temos externas bonitas e a cenografia é correta, assim como os figurinos. Mas, ainda que visivelmente esmerada, a direção de arte continua aquém do padrão da Globo.
E já que falamos das produções da Rede Globo, vale citar que Belaventura já tem cerca de dois terços de seus 150 capítulos gravados. Uma estratégia arriscada, tendo em vista que se sabe que a próxima novela da faixa das sete da emissora rival, prevista para estrear em janeiro de 2018 – provisoriamente chamada de Deus Salve o Rei -, também terá temática medieval. Aí sim, veremos uma autêntica guerra medieval entre duas das grandes “casas” da televisão brasileira.