BBB 21 continua cumprindo à maestria sua função principal: o de gerar repercussão inesgotável no mundo aqui fora, fornecendo cotidianamente matéria-prima para a conversação diária sobre a vida e seus assuntos. Já é chover no molhado dizer isso, mas não custa lembrar: as edições de Big Brother Brasil se tornam relevante à medida em que repercutem temas que já estão sendo debatidos. Mas além disso, o material do BBB é inesgotável porque ele expõe a todo momento tudo o que há de mais humano – nossas concepções de mundo, nossas certezas inabaláveis, nossas crises que escondemos mas que uma hora explodem. É, portanto, um espelho (distorcido, mas ainda assim um espelho) da realidade.
Nesse sentido, BBB 21 está nos trazendo personagens riquíssimos que ofertam seus corpos e suas almas para que nós nos enxerguemos naquilo que temos de mais contraditório e hipócrita. Qualquer um que acompanhe as edições do programa sabe que parte da dinâmica dos participantes é fazer promessas sobre suas performances, predizendo aquilo que serão dentro de casa. “Sou muito sincero”, “sou muito intensa”, “falo o que penso”, “vim para causar confusão” – e, é claro, o clássico “sou muito autêntico”. Todos os BBBs são sempre testes públicos que revelam o quanto há de vazio nessas palavras que proferimos sobre nós mesmos.
Desde os primeiros episódios, BBB 21 expos pessoas com alta convicção sobre si mesmas. Karol Conká, a rapper feminista. Caio, o caipira inocente. Lumena, a psicóloga militante, defensora das minorias. Projota, o cantor de discurso pastoral, capaz de salvar um rebanho com suas palavras. Nego Di, o humorista politicamente incorreto, que odeia mimimi. Todos carregam personagens bem definidos, e legitimados pelo público, no caso dos participantes famosos.
Mas a graça dessa máquina de moer gente é que nada escapa da mão do “grande irmão”. Postos à prova do escrutínio público, o programa serve para mostrar a esses brothers (e, por consequência, a cada um de nós) que ninguém tem tanto controle assim sobre si mesmo. Quem achamos que somos é apenas uma porcentagem daquilo que revelamos ser quanto postos em interação com os outros.
Mas a graça dessa máquina de moer gente é que nada escapa da mão do “grande irmão”. Postos à prova do escrutínio público, o programa serve para mostrar a esses brothers (e, por consequência, a cada um de nós) que ninguém tem tanto controle assim sobre si mesmo.
O exemplo mais clássico dessa má percepção de si mesmo, claro, é a vilã favorita do Brasil, Karol Conká. A rapper construiu uma sólida carreira na música e no ramo da beleza, falando sobre feminismo e empoderamento, instruindo mulheres sobre como assumir o seu “poder”, palavra bastante ambígua. No BBB21, Karol segue proferindo o mesmo discurso sobre si mesma, mas tanto seus atos (sua interação com o crush Arcrebiano, por exemplo) quanto suas palavras (o jeito que trata outros participantes) mostram alguém com uma percepção distorcida de si mesma. Sua fala de empoderamento poderia se encaixar no que alguns chamam de “feminismo liberal”, baseado na lógica capitalista de vender produtos e aparentar o tal “poder”, muito antes de conscientizar sobre as desigualdades sociais (inclusive entre mulheres) escondidas na realidade do patriarcado.
Karol está sempre a postos com seu discurso “feminista”, o qual se revela oco em cada confronto que tem com outras pessoas. Nessa semana, uma interação fantástica entre ela e Camilla de Lucas, uma das “plantas”, expos ainda mais isso que tento explicar aqui. Ao ser posta na parede, Karol usa suas cartas de personagem (a militância das mulheres negras, por exemplo) e traz à tona o profundo desconhecimento sobre si mesma e suas ações.
Outro personagem bastante marcante nessa dinâmica é Nego Di, o comediante gaúcho que foi o primeiro eliminado do “Gabinete do Ódio”, nome empregado nas redes sociais para definir os asseclas de Karol Conká. Nego Di foi eliminado com um histórico ranking de 98,76% dos votos. No dia seguinte, em sua participação no Mais Você, deixou bastante claro o quanto sua concepção do jogo (em outras palavras: sua concepção sobre sua personagem enquanto peça desse programa) estava completamente equivocada. Parecendo chocado, tentou mudar de opinião, e, como bem destacou o jornalista Maurício Stycer, foi tratado com generosidade e empatia pela apresentadora Ana Maria Braga – talvez já calejada nesse conhecimento do quanto a visibilidade midiática serve para desconstruir todas as certezas que temos sobre nós mesmos.
O fato é que Nego Di jogou um jogo em que se via como um herói, responsável por formar uma Wakanda brasileira dentro do BBB, quando, aos olhos do público, era apenas reconhecido como uma peça descartável de um time de vilões bem caricatos. Errou justamente por essa discordância entre a visão interna sobre si mesmo e a visão externa sobre ele.
A verdade é que os BBBs nos prestam inúmeros serviços, mas quero destacar aqui dois. O primeiro é este: o reality show escancara que temos pouquíssima noção de quem realmente somos. Dependemos sempre do olhar alheio para conhecer o nosso eu – e, claro, do poder de discernimento para separamos o que é real e o que é apenas lixo vindo dos outros.
O segundo é que, diferente do que achamos, somos menos “profundos” do que parecemos. Para explicar isso, trago aqui uma metáfora (desconheço o autor) bem debochada do pêssego e da cebola. Nós, seres humanos, pensamos ser como um pêssego, uma fruta em que, no meio de uma grossa camada de representação (aquilo que acreditamos ser) se esconde um caroço, ou seja, nosso âmago, onde guardamos nosso verdadeiro self, com nossos sentimentos mais puros. Isso seria uma ilusão: na verdade somos como cebolas, e quando vamos tirando camada por camada, não sobra nada. Karol Conká, Lumena e Projota que o digam.