Quando imaginávamos que não havia mais o que acontecer no BBB21 além do que já transcorreu nessas três semanas, lá vem o programa e nos joga na cara: nada mais imponderável que um reality show de convivência que se fundamenta em isolar um grupo de sujeitos do mundo externo. Presos nesse grande aquário com transmissão em cadeia nacional, tais indivíduos negociam um bem valioso – sua privacidade – em troca de uma sonhada visibilidade. Se vai ser bom ou não para eles, é sempre uma incógnita (quase nunca é).
Em pouquíssimo tempo, BBB21 tematizou uma quantidade absurda de assuntos: falou de relacionamentos abusivos, tortura psicológica, “sequestro” de pautas identitárias, homofobia, bifobia e xenofobia, dentre tantos outros tópicos de conversa. No entanto, aqui nesse texto pretendo olhar menos para a questão mais controversa de todas (falo da situação enfrentada por Lucas Penteado na casa, culminando em sua desistência), já abordada com qualidade por muitos especialistas, para falar de outro tópico: o fato de que a “cozinha” do BBB esteja aparecendo o tempo todo para os espectadores.
Em outras palavras: BBB 21 tem sido tão caótico que temos tido relances o tempo todo de “sobras” que normalmente ficam restritas apenas ao âmbito da produção. Para ilustrar, cito aqui dois exemplos. O primeiro é a conversa mantida entre o apresentador Tiago Leifert com o cantor Projota, após o último ter “aconselhado” Lucas Penteado num discurso algo acolhedor. Em um momento isolado no confessionário (mas exibido em tempo real e ao vivo pela Globo), Leifert elogiou a “força” que Projota – que caiu no choro – deu ao jovem ator em um momento de crise.
O segundo momento é o áudio “vazado” (as aspas se dão apenas por não ter confirmação de que se trata, de fato, de um “vazamento”, ou seja, não-intencional) da conversa entre Projota e uma voz que, pelo que sabemos, é de Boninho – o sujeito que poderia ser definido como o big brother onisciente que dá o nome ao programa. Neste episódio, Boninho chama Projota no mesmo confessionário e, vindo de lá, ouvimos um diálogo em que ele dá explicações ao cantor sobre a saída de Lucas Penteado e tenta convencê-lo a não desistir do programa. Dentre essas explicações, está de que a produção não sabia que Lucas tinha problema com bebidas e que, quando consome álcool, vira um “monstro”.
Ao sinalizar indícios muito claros de interferência no jogo, Big Brother Brasil dá certos sinais de descontrole no programa, que provavelmente rumou a um caminho imprevisto aos desejos da produção.
É ruim que ambos (diretor e apresentador) interfiram nos rumos da casa? Não necessariamente. A produção tem sim um importante papel nos direcionamentos da casa, tal qual um titereiro, mas que nunca consegue controlar totalmente seus marionetes. Os problemas vistos no BBB21 estão na forma que as intervenções têm sido feitas e no fato de elas privilegiarem apenas alguns participantes.
No primeiro caso, Leifert claramente mexe na estrutura do programa pois dá uma pista a Projota – que, paradoxalmente, saiu prejudicado, pois dali com uma sensação de aprovação coletiva que ele não tinha. Não por acaso, Projota passou a emitir cada vez mais discursos de tom evangelizador nas interações com as pessoas da casa, sugerindo acreditar ser um líder ali dentro. Já a conversa com Boninho dá a entender o esforço da Globo de mantê-lo ali dentro. No diálogo, Projota dá a impressão de que precisou de uma longa negociação (o que provavelmente envolve promessas) para levá-lo ao BBB.
Uma das principais acusações para se desmerecer reality shows é de que eles forjariam um discurso de realidade a partir de muita manipulação (obtida no trato com os participantes) e edição (a produção cria uma narrativa de realidade conforme seus interesses). Há, inclusive, uma série, Unreal, que mostraria justamente o que seriam esses meandros – baseados tanto na falta de ética com os competidores quanto com o público.
Ao sinalizar indícios muito claros de interferência no jogo (importante destacar, aliás, que ambos os exemplos citados aqui envolvem o mesmo participante, Projota), Big Brother Brasil dá certos sinais de descontrole no programa, que provavelmente rumou a um caminho imprevisto aos desejos da produção. Tudo ali parece muito errado: um casting que se amalgamou em uma dinâmica extremamente tóxica, participantes abusivos e abusados, ameaças de desistência a todo instante. Talvez fosse interessante à produção do BBB tomar uma atitude mais transparente com o público sobre todas essas questões.
Por outro lado, vale lembrar: é justamente esse descontrole (o fato de que, mesmo escolhendo minuciosamente cada elemento deste reality show, nunca há como garantir que o script será cumprido conforme se espera) que traz a graça e a essência de um programa deste tipo. Nada poderia ser mais real que isso.