Não poderia existir timing melhor para a estreia da quarta temporada de House of Cards: no Brasil, os últimos acontecimentos políticos atingiram um nível de disputa tão agressivo quanto cego – nos Estados Unidos, a figura de Donald Trump e suas ideias bizarras se tornaram uma possibilidade real.
Seja aqui ou nos EUA, já sabemos que a política trata essencialmente do poder pelo poder, que é o que a série já havia nos mostrado até aqui: todos os meandros para se alcançar essa posição de líder, fazendo o que for preciso. Mas, nesta nova temporada, em que Francis (Frank) Underwood tenta ser reeleito presidente do país, a trama vai além: já sabemos quais são essas sinuosidades, só que não imaginávamos tamanha maldade para se derrubar o inimigo. Mesmo sendo ele seu marido, ou esposa.
Impossível falar da trama sem spoilers: no fim da terceira temporada, Claire Underwood, a fabulosa Robin Wright, sentencia ao marido: “vou deixá-lo”. Se, até então, ainda restava um pingo de companheirismo e cumplicidade, nesta nova temporada, ele se esvai completamente. A elegante primeira-dama, que, na frente do povo, posa com uma serenidade incrível, o que faz, inclusive, com que ela tenha uma aprovação melhor que a do marido, se torna a principal rival de Francis. Só que não publicamente.
Com pouca popularidade e uma adversária convincente (Heather Dunbar – interpretada pela atriz Elizabeth Marvel), Frank está mais encrencado do que nunca para conseguir ganhar as eleições de 2016: seu governo não atingiu as metas. O preço da gasolina chegou a níveis estratosféricos, e ele não consegue resolver os conflitos internacionais de forma diplomática, mesmo com os apelos de sua equipe. O “American Works”, seu principal programa, foi um fracasso total. Ele, então, precisa apelar.
Todas as tramoias e jogos sujos vão aparecendo, mas o que mais impressiona nesta nova temporada é a relação doentia e dependente do casal. Em prol apenas do poder, e mais nada. Um ódio tão complexo que parece quase inimaginável, mas que se torna plausível nas interpretações divinas de Wright e Kevin Spacey.
Já sabemos quais são essas sinuosidades, só que não imaginávamos tamanha maldade para se derrubar o inimigo.
Inimigos
Óbvio, desde o início de House of Cards, quando Underwood ainda era um congressista e já desenhava o seu plano para alcançar a presidência, ele colecionava inimigos que queriam lhe derrubar. Mas, o seu mau eleitorado cresceu nesta temporada: além de uma coordenadora de campanha ambiciosa (a atriz Neve Campbell), Francis precisa enfrentar o seu passado, e, talvez, a sua principal rival: a mãe de Claire, em uma atuação impecável de Ellen Burstyn.
Ela detesta Frank, e não consegue conceber a ideia de ele se tornar presidente novamente. Tampouco, deseja que a filha continue ao seu lado. Mas ela acaba sendo usada pelo casal para disfarçar as discórdias – a doença da mãe, que está com câncer, serve de pretexto para explicar o sumiço da primeira-dama na campanha. E, além de abafar um provável escândalo, ainda o ajuda em sua popularidade, já que as pesquisas apontam compaixão por Claire e sua “mãe doente”.
Apesar de a relação das duas também ser péssima, a mãe de Claire deseja que a filha trace a sua própria carreira política, se desvencilhando de Frank. O ódio pelo genro é tamanho, motivo que, aos poucos, é descoberto.
Talvez, essa nova temporada seja menos fascinante do ponto de vista político e seus arranjos: depois de matar o perturbado congressista Peter Russo (e fazer parecer suicídio), e empurrar a jovem repórter política Zoe Barnes nos trilhos do metrô, as outras brutalidades não parecem tão impressionantes. No entanto, é a tensão e as sabotagens de Claire e Frank que move essa nova temporada, que é mais regular nos momentos de ação, mas tão envolvente quanto as anteriores.