O jornalista André Barcinski está entre os nomes mais conhecidos e respeitados do jornalismo cultural brasileiro. Sua atuação profissional começou ainda nos anos 1980, com passagens por veículos como Folha de São Paulo, Notícias Populares e Jornal do Brasil, no qual foi correspondente em Los Angeles.
Ao longo dos últimos anos, Barcinski – que tem já sete livros publicados – tem se tornado um especialista na cultura popular brasileira, contando histórias ainda não registradas de episódios e personagens importantes desse universo. Em 2001, dirigiu o documentário Maldito, sobre o cineasta José Mojica Marins, baseado no livro que escreveu com Ivan Finotti. Em 2019, dirigiu a série História Secreta do Pop Brasileiro, na Amazon Prime, e em 2021 escreveu a série Hits Parade, que fala sobre a indústria fonográfica nos anos 1980. Já em 2022, esteve na equipe de criadores de O Rei da TV, série que propõe uma biografia experimental do apresentador Sílvio Santos.
O próximo lançamento de André Barcinski é Tudo Passará: A História de Nelson Ned, o Pequeno Gigante da Canção, biografia publicada pela Companhia das Letras. Enquanto isso, o jornalista conversou com a Escotilha sobre o seu projeto mais recente: a série Notícias Populares, nova atração do Canal Brasil.
ESCOTILHA » André, a ideia da série é recapitular a história de um dos jornais brasileiros que, embora tenha produzido reportagens bastante questionáveis, é até hoje lembrado com muito carinho pelos leitores e pelos profissionais que trabalharam nele. Ao que você acha que se deve essa relação afetuosa? E quais os serviços prestados pelo NP à população?
André Barcinski » Sim, o NP produziu reportagens questionáveis, principalmente no período ocorrido antes dos anos 1990. Mas a grande maioria do conteúdo jornalístico era muito importante para os seus leitores. É preciso lembrar que o Notícias Populares era um jornal que não tinha assinatura (um caso raro entre os jornais brasileiros), o que significa que ele não tinha uma base de exemplares já vendidos, como se fosse um “colchão”.
“As manchetes que mais vendiam jornal eram as sobre economia, as que tinham impacto positivo na vida do leitor. Por isso o NP manteve essa proximidade afetiva e de emoção com os leitores até o fim”.
André Barcinski
Ele tinha que ter matérias muito chamativas e de muito impacto em toda edição. Para o público do NP, comprar o jornal era um investimento, pois era um público muito desprivilegiado economicamente, para quem o valor de um exemplar fazia diferença no fim do mês. Então o jornal tinha que ter uma utilidade para o público.
Penso que essa relação de afeto e respeito do público com o jornal vem muito disso: de ele ter uma importância para a vida das pessoas. Às vezes há uma ideia de que o NP cobria só crimes, mas não é verdade. As manchetes que mais vendiam jornal eram as sobre economia, as que tinham impacto positivo na vida do leitor. Acho que por isso que o NP manteve essa proximidade afetiva e de emoção com os leitores até o fim.
O Notícias Populares tem uma grande coleção de causos e coberturas memoráveis. Como foi ter que escolher apenas algumas delas para compartilhar nos sete episódios da série? Foi difícil fazer a seleção?
Foi muito difícil fazer a seleção das reportagens. Eu e Marcelo Caetano (diretor da série) fizemos uma longa pesquisa no jornal, lemos uma quantidade absurda de edições publicadas desde a fundação, nos anos 1960. A série se passa em 1993, mas muitas das reportagens que são citadas nos episódios não ocorreram nos anos 1990, como a do Bebê Diabo, que foi em 1975, só que foi uma reportagem tão marcante do jornal que não dava para ficar de fora.
Foi difícil escolher, porque o jornal teve quase quarenta anos e cobriu uma quantidade absurda de fatos que outros jornais não ousavam chegar perto. Mas, ao mesmo tempo, foi muito prazeroso – difícil mesmo é quando a gente uma amostra pequena para escolher, e no caso a gente tinha um cardápio infinito de boas histórias. Foi muito divertido selecionar as histórias do sete episódios.
Você chegou a trabalhar no NP. O que você trouxe da sua própria experiência para a série?
Eu trabalhei no Notícias Populares por pouco tempo, quase um ano e meio. Saí da Ilustrada, fui para o NP e saí para ser correspondente do Jornal do Brasil em Los Angeles. Então a minha experiência foi curta, muito intensa, e certamente me ajudou muito a escrever a série.
Mas a gente também entrevistou muitas pessoas, como o fotógrafo José Luiz da Conceição, o Paulo Cesar Martin, a Laura Capriglione, pessoas que trabalharam por muito tempo no jornal e tinham uma visão muito mais apurada que a minha sobre a estética do jornal, sobre como o NP evoluiu através dos anos.
Embora a minha experiência no NP tenha sido curta, ela também me ensinou muito. Ela me ajudou a enxergar o jornalismo por outro prisma. Me fez ver que, às vezes, você pode fazer um tipo de jornalismo que não agrada a uma certa parcela da população, mas que, para outra, tem uma importância fundamental.
O Notícias Populares ajudou a consolidar uma forma bem próxima de comunicação com os seus leitores, criando um padrão que se tornou comum na imprensa popular. Você acha que esse legado do NP ainda repercute hoje no jornalismo popular, ou mesmo no tido como “padrão”?
Eu acho que o NP criou, junto com alguns outros jornais populares da época, uma forma muito direta de se comunicar com o leitor, uma maneira muito simples de usar o texto e a escrita. Isso, obviamente, teve um impacto muito grande na relação do jornal com o leitor. Era um jornal que aproximava o leitor dele, com textos divertidos, com uma linguagem diferente da, digamos, linguagem jornalística tradicional.
O legado do NP ainda é visto hoje em alguns jornais, como o Meia Hora do Rio de Janeiro, que leva ao extremo essa linguagem, com uma tendência a se tornar pitoresca demais. Mas é claro que é um jornal filho do NP.
A linguagem do NP foi muito copiada pela televisão também. Quando você vê jornais como Aqui Agora, você percebe que eles tentaram (e conseguiram) passar para a televisão um estilo estético muito parecido com o NP, como as manchetes chamativas, as frases de impacto, o texto sem enrolação, que vai direto ao ponto. A popularização deste tipo de programa de TV mais sensacionalista inclusive colaborou para o fim do jornal.
Você também é um dos autores de O Rei da TV, sobre Sílvio Santos, além de ter escrito livros que recuperam histórias sobre personagens da cultura pop brasileira, como a biografia que está lançando sobre o cantor Nelson Ned. A ideia de documentar a história da mídia brasileira – seja no jornalismo, na TV ou nas suas personalidades mais memoráveis – é hoje uma marca importante no seu trabalho?
Eu acho que sim. Tenho muito interesse na cultura popular brasileira. Os personagens que eu pesquisei e sobre quem escrevi, do Zé do Caixão ao João Gordo, passando pelo Nelson Ned, Sílvio Santos, fazem parte deste imaginário pop brasileiro, que eu considero riquíssimo. O NP se inclui nesse rol, e pode ser visto como um personagem muito popular e um tanto incompreendido por uma casta da sociedade brasileiro, sendo visto como apelativo e de baixa categoria.
Esse é um assunto que me atrai demais. Penso que são personagens (talvez com exceção do Sílvio Santos) que tiveram suas histórias muito mal contadas, de forma muito simplória. São ídolos muito importantes para uma boa parcela da população brasileira, que merecem ter suas histórias registradas de uma maneira mais profissional, mais objetiva e informativa. Cultura popular brasileira é o tema que eu mais gosto de escrever.
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