Início do Jornal Nacional no dia sete de junho. Heraldo Pereira e Renata Vasconcelos estão na bancada, mas não falam nada. Passados alguns segundos, eles se olham e acenam levemente com a cabeça.
A sensação é de um erro: provavelmente, a transmissão foi ao ar antes de que o jornal pudesse, de fato, começar. Passado mais uns segundos, alguns caracteres aparecem na tela: “O silêncio incomoda. Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. O caminho da democracia é a informação”.
A estratégia usada para começar o Jornal Nacional é bastante interessante pois traz, ao plano da materialidade (da ausência, no caso), a consciência de que o jornalismo serve, basicamente, para preencher espaços com algo que se espera ser útil na vida da população.
O silêncio do início ainda evoca a falta de notícias sobre o paradeiro do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira enquanto navegavam na terra indígena Vale do Javari, no Amazonas.
Ou seja, as suspeitas de que eles foram literalmente silenciados, da pior forma possível, é uma mensagem explícita sobre as funções, inconvenientes para vários setores, que o jornalismo preenche enquanto está sendo bem executado.
Vale a pena então pensar um pouco sobre o que o silêncio – metafórico, mas também literal – é capaz de fazer no jornalismo.
O silêncio do ‘Jornal Nacional’ como recurso jornalístico
É bem comum pensarmos no silêncio como vazio, como ausência, um buraco que precisa ser preenchido. Mas há outras visões possíveis. A pesquisadora Eni Orlandi, um dos principais nomes brasileiros na análise de discurso, já escreveu que o silêncio deveria ser visto como matéria significante por natureza – e caberia às palavras e demais sons a tarefa de ressignificá-lo.
É bem comum pensarmos no silêncio como vazio, como ausência, um buraco que precisa ser preenchido. Mas há outras visões possíveis.
Neste sentido, daria para dizer que há vários tipos de silêncio, e não apenas um. No caso da mensagem carregada pelo Jornal Nacional de sete de junho, a mensagem não é exatamente deixada no ar, mas sim reiterada pela mensagem: o silêncio incomoda. Ali, o silêncio se torna metáfora para falar da ausência da imprensa.
Mas o silêncio pode ser também entendido como escolha – de falar sobre certos temas e não outros, por exemplo. A organização de uma agenda jornalística, pela forma que certos assuntos sejam colocados em destaque em relação a outros, também é uma maneira de silenciar possíveis leituras – a de que um tema seria mais imprescindível na vida de quem assiste, por exemplo.
Da mesma forma, quando um telejornal (digamos, os entendidos como mais popularescos) foca apenas em miudezas cotidianas, normalmente com cunho sensacionalista – como assaltos, casos criminais, etc. – há um silenciamento sobre o contexto amplo que acarreta tais problemas. Em outras palavras, ao não contextualizar as questões das políticas públicas que levam aos problemas individuais, o jornalismo faz mau uso do silêncio.
O silêncio no ‘Jornal Nacional’ enquanto recurso discursivo
Mas há também os usos literais do silêncio no telejornalismo – um aspecto que chama bastante a atenção porque o espaço na televisão é escasso. As reportagens e matérias são sempre mais curtas, mais ágeis, em relação, por exemplo, ao digital ou ao impresso.
Mas o silêncio também costuma ser usado para fazer circular mensagens. Pode ser um uso poético, em cenas breves que exibam paisagens, por exemplo, ou em reportagens que enfatizam o drama de uma situação a partir da ausência de som.
O trabalho do repórter Chico Regueira, na TV Globo, é um bom exemplo da exploração do silêncio enquanto recurso discursivo. Ao focar em um estilo menos editado de jornalismo televisivo, colocando elementos da interação com os personagens, é comum que “sobrem” momentos vazios em suas reportagens – por vezes, preenchidos apenas com o som ambiente.
O fato é que, diferente do que pode imaginar, o silêncio fala – e fala muito. E talvez seja importante reconhecer que o jornalismo faz uso dele todos os dias, e não apenas em ocasiões especiais.
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