Nas últimas semanas, um vídeo viralizou nas redes sociais com um trecho do programa Lady Night, do Multishow. É um momento da entrevista de Tatá Werneck com Marcos Mion, contratado pela Globo em 2021. Ela pergunta: “para você assumir o lugar de Luciano Huck no Caldeirão, você tem que estar preparado para fazer algumas coisas. Você está preparado para criar obstáculos que custam mais caro que o próprio prêmio? Você está pronto para transformar o quarto de um menino num campo de futebol onde não há mais cama para esse menino dormir? Será que você está preparado para dizer para uma criança que ela perdeu um milhão de reais por causa de uma cedilha? E será que você está preparado para dizer que vai ser presidente, e depois dizer que não, e depois dizer que sim, e depois dizer que não?”
Neste momento, a cara de incredulidade de Mion é a mesma do espectador, e representa bem o que significa Tatá Werneck hoje na TV: uma mulher que ultrapassou vários limites. Ela é capaz de fazer um tipo de humor esculachado que, até pouco tempo, era malvisto às mulheres. Mas, mais do que isso, ela conquistou “autorização” para zoar a emissora global em um tipo de crítica ácida que poucos têm possibilidade de fazer.
Lady Night é um dos programas da TV brasileira mais difíceis de categorizar. Definido como talk show, a atração vai muito além de um programa de entrevistas. Tem algo de teatro, algo de show de improviso, mas uma coisa é indiscutível: a dona do palco é, definitivamente, Tatá Werneck. Ela é a hostess que convida alguns sujeitos para entrar nesse universo bastante particular do seu estilo de humor.
Atualmente na sexta temporada, Lady Night parece ter o desafio de se reinventar a cada ano. Digo isto pela razão de programa ter um caráter essencialmente “orgânico”: ele não se reduz a fórmulas, pois os episódios dependem do estabelecimento de uma química entre Tatá e o seu convidado. É, portanto, um programa vivo, no qual não temos certeza do que irá acontecer. Essa é, justamente, a sua grande riqueza.
Diria que, de alguma forma, o programa também atravessa a própria jornada pessoal de Tatá. Nas primeiras temporadas, ela, em alguma medida, ainda precisava mostrar que o seu humor (que tem algo de subversivo, como já comentei aqui, uma vez que sua postura escrachada nunca foi muito “autorizada” às mulheres) era viável em uma grande emissora, para além do nicho da MTV. Na quarta temporada, Tatá estava grávida, e havia um novo impasse: conseguiria ela manter o (auto) deboche mesmo com sua filha no ventre, o que a colocava num papel meio imaculado?
O resultado é mais uma temporada memorável, em que cada encontro com convidado é único. E talvez essa seja a grande sacada do formato de Lady Night: não se trata de uma fórmula exata.
Agora, na sexta temporada, há outros desafios. Embora não apareça diretamente nos episódios, acredito que há um assunto permanente nas entrelinhas: a perda do humorista Paulo Gustavo, um dos melhores amigos de Tatá Werneck, e um dos maiores humoristas do Brasil, vitimado pela COVID. Há então um certo tom emotivo na temporada – o que, diferente do que pode se imaginar, é muito típico da comédia. Humor e tragédia talvez estejam mais próximos do que pode parecer.
O resultado é mais uma temporada memorável, em que cada encontro com convidado é único. E talvez essa seja a grande sacada do formato de Lady Night: não se trata de uma fórmula exata. Cada episódio é como se fosse uma dança em que Tatá abraça um novo participante, mas o resultado dessa dança é sempre incerto, e não depende apenas dos movimentos dela.

E essa é a graça: o ritmo pelo qual esta dança irá acontecer é sempre inesperado. Se o humor de Tatá é autodepreciativo, há, em alguma medida, a expectativa de que o convidado consiga entrar nesse jogo, o que nem sempre acontece. O convidado precisa conseguir responder à mesma altura (e rapidez) do raciocínio ágil dessa humorista, já consolidada como o grande nome feminino da comédia no Brasil.
Alguns convidados mais “elegantes”, como Paola Carrosella, parecem ter mais dificuldade de jogar esse jogo. E há os que não conseguem relaxar e ri de si mesmos, como Fiuk, em um dos episódios mais criticados da temporada – basicamente, a entrevista durou apenas 15 minutos, e houve muitos comentários de que a edição teve que picotar o encontro para conseguir tirar alguma coisa.
Mas os constrangimentos são exceções. A temporada já trouxe muitos momentos ricos e que conseguiram, inclusive, “desmontar”, no bom sentido, a persona cômica de Tatá. Destaco, especialmente, a emoção durante a entrevista com Lilia Cabral, no momento em que ela conta das dificuldades enfrentadas na família para seguir a carreira de atriz. E o grande episódio, para mim, foi toda a entrevista com Leandro Hassum – talvez o único de toda a história de Lady Night em que Tatá riu mais que o entrevistado.
Seis temporadas depois, Lady Night segue surpreendendo e encontrando novos caminhos na comédia e na TV, comprovando que o talento de Tatá Werneck consegue o impossível: se renovar a cada ano.