As séries de true crimes parecem estar chegando com toda força na produção audiovisual brasileira. Depois de a Globoplay lançar a ótima O Caso Evandro, agora foi a vez da Netflix investir mais uma vez pesado neste gênero com Elize Matsunaga: Era uma vez um crime – que conta, obviamente, o assassinato de Marcos Matsunaga, herdeiro da Yoki, pela sua mulher, Elize, em 2012.
Mas é claro que não se trata apenas de um crime passional (razoavelmente comum) protagonizado por uma mulher (algo mais incomum). Há detalhes na história que fizeram com que ela se perpetuasse no imaginário nos brasileiros. O primeiro são as ocorrências após da morte de Marcos, com um tiro no rosto: Elize decepou os pedaços do corpo do marido e os espalhou em uma estrada. A sordidez do caso, portanto, ajudou a incitar a curiosidade em torno dela.
O segundo ponto é o passado de Elize. Logo após o assassinato, os veículos de jornalismo levantaram a informação de que ela foi garota de programa – e foi desta forma que o casal teria se conhecido. O motivo principal do crime foi que Elize descobriu que Marcos estava saindo com prostitutas. Todas estas informações ajudaram a fortalecer uma ideia de “conto de fada maldito” (é daqui que parece ter surgido o “era uma vez” do subtítulo): um homem, seduzido por uma mulher fatal, oferece a ela uma vida de princesa, mas o sonho acaba se virando contra ele.
É esta narrativa nebulosa e cheia de fantasias que Elize Matsunaga: Era uma vez um crime tenta esclarecer. Dividida em 4 episódios, a série – que é dirigida por uma mulher, Eliza Capai – tem um tom um tanto voltado ao processo jurídico. Afinal, talvez essa seja uma história atípica, pois é contada por uma ré confessa, que assumiu o crime.
Parece difícil imaginar casos semelhantes, em que o assassino se torna uma espécie de vítima. No caso de Elize, ela foi vitimada pelo escrutínio público de todas as facetas de sua vida pregressa, como se seu destino criminoso estivesse já traçado por ela ter trabalhado com prostituição.
Tudo isto colabora, portanto, para que a série gere muita curiosidade. De alguma forma, a ótica aqui é principalmente a de Elize, que participa o tempo todo da produção: fala, argumenta, explica seu lado e – o que foi mais curioso para mim – participa até de cenas de transição que servem para mero adorno estético dos episódios. Elize aparece com flores, cozinhando, andando com ar etéreo numa floresta, embalada por filtros de tons diversos. Ainda que haja um tanto de coragem de dar a cara a bater expondo-se num projeto desses, em certos momentos, há uma leve impressão de que esse rebranding foi longe demais.
A ótica aqui é principalmente a de Elize, que participa o tempo todo da produção: fala, argumenta, explica seu lado e – o que foi mais curioso para mim – participa até de cenas de transição que servem para mero adorno estético dos episódios.
Não obstante, embora competente na sua proposta – que parece ser o de ressignificar Elize Matsunaga por um olhar menos massacrante e machista, além de demonstrar as linhas de argumentação que envolveram toda a acusação e defesa –, a série peca, em partes, pelo seu tom excessivamente jurídico.
Parece, por vezes, que estamos assistindo ao que eu imaginaria ser uma aula do curso de Direito, em que se explica um caso famoso. O que não é ruim, necessariamente, mas acaba sugerindo uma certa falta de uma montagem mais ousada, que não se baseasse tanto apenas em depoimentos.
Por outro lado, Elize Matsunaga tem como grande trunfo o esforço bastante digno que faz para dar o mesmo peso aos dois lados, tanto para os que defenderam Elize, quanto para a família e amigos de Marcos. E é aí que surge o incômodo mais forte da história: ele reside no fato que, mesmo quase 10 anos depois desse crime, certos discursos permanecem.
Os amigos de Marcos (que, imagina-se, sejam todos homens brancos de famílias tradicionais como ele) apontam que Elize tinha tudo, uma vida de princesa, com tudo que ela poderia desejar – novamente, reduzindo a satisfação feminina às posses financeiras e fortalecendo a ideia de “golpe do baú”. O delegado que cuidou do caso, ao descrever o impacto que os policiais tiveram ao adentrar numa sala de armas que o casal Matsunaga tinha em casa, diz que eles pareciam “mulher quando entra em loja de sapato”. Até um colega (e intitulado como amigo) de Elize conta histórias que sugerem preconceitos por ela ter sido “GP” (uma abreviação para garota de programa).
Ainda que não seja uma série eletrizante, Elize Matsunaga é uma importante contribuição às discussões sobre gênero na televisão. Por mais que provavelmente não irá mudar muita coisa, não é sempre que uma mulher protagonista de um crime tem a chance de contar sua história para uma produção deste tipo.