Se tem algo que sabemos a esta altura do campeonato é que o gênero de horror tem múltiplas faces. E que, por incrível que pareça, ainda há espaço para alguma novidade dentro dele, quando está em mãos de sujeitos com mentes criativas – está aí o diretor Jordan Peele para comprovar esta tese.
Há uma série um tanto obscura no catálogo da HBO Max que explora bem a premissa do horror ligado à maternidade compulsória, temática que talvez tenha encontrado sua melhor performance no clássico O Bebê de Rosemary. Falo aqui da série inglesa The Baby, uma mistura inóspita de horror e comédia que se baseia numa premissa absolutamente louca: a de um bebê que carrega uma maldição e atravessa gerações matando cada mãe que se aproxima para cuidar dele.
Um dia, do nada, este bebê sem nome cai (literalmente) de um penhasco para o colo de Natasha (vivida pela atriz Michelle de Swarte), uma mulher negra de 38 anos que está começando a se cercar de amigas grávidas ou com filhos, enquanto ela segue apegada à vida que leva há anos: um trabalho bem mais ou menos em que atua como chef, e uma rotina meio repetitiva em que ela fuma maconha quando dá e pensa apenas em si mesma em boa parte do tempo.
Natasha, de certa forma, faz um retrato das novas gerações (embora ela ainda seja millenial) como uma gente sem grande ambição e sem os parâmetros de sucesso da geração anterior: casar, construir uma carreira, ter filhos. Ela só vai tocando a vida adiante de uma forma meio automática, e de um modo que parece um tanto niilista.
Neste contexto, o bebê que cai do céu se torna uma alegoria perfeita do mundo que segue girando embora Natasha deseje que nada mude. Não por acaso, a leitura de tudo isso que acontece é pelo horror.
A alegoria da maternidade como um processo apavorante
É neste contexto – de uma discussão da “maternidade real”, muito vigente nos últimos anos – que The Baby tende a se encaixar. Vale lembrar, inclusive, que a série é produzida e dirigida por uma equipe feminina, e quase todas as personagens são femininas.
The Baby é aquele tipo de série capaz de extrapolar os nossos sentimentos em relação a ela.
O que ocorre na vida da Natasha não é exatamente fruto de uma escolha (assim como nem todos os bebês são). A maternidade então literalmente pega esta mulher de susto, em um processo apavorante, pois ela acaba de conhecer um estranho que pode vir a matá-la em qualquer momento. A toda vez que ela tenta se livrar da criança, nota que isso trará consequências piores.
Mas esta não é uma jornada solitária. Na verdade, a grande questão durante os oito episódios de The Baby é tentarmos entender qual é o mistério por trás daquele bebê que não cresce e não pode evitar de matar as mulheres que se aproximam dele. Isso só começa a se esclarecer com a chegada da melhor personagem da série, a meio destrambelhada Ms. Eaves, papel da atriz egípcia Amira Ghazalla (de Sense8).
Natasha e Ms. Eaves acabam se tornando uma dupla impagável e, ao lado de Bobbi (Amber Grappy), a irmã lésbica de Natasha que quer desesperadamente um filho, mas não consegue que lhe deem esse direito, elas partem em uma jornada que será muito mais interna que externa.
Um misto de sentimentos em relação a ‘The Baby’

The Baby é aquele tipo de série capaz de extrapolar os nossos sentimentos em relação a ela. Por um lado, ela é angustiante e algo enfadonha em alguns episódios (dá a impressão de que a série poderia se reduzir a uns quatro). Por outro, traz-nos a vontade de seguir até o fim, pois há algo de tão absurdo em todas as situações que causa uma dificuldade de nos afastarmos dela.
Mas, sem dúvida, como um bom terror de fundo psicológico, a riqueza está nas entrelinhas: na premissa de que a maternidade nem sempre é a benção pela qual costuma ser idealizada. The Baby tem a sacada de tratar isso de uma forma bastante literal.
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