Desde a nova “era de ouro” da televisão norte-americana, com Família Soprano (1999), assistir a séries deixou de ser um mero entretenimento, e ainda que fosse, estaria tudo bem. Se há poucos anos o assunto ainda era restrito a um nicho de pessoas que tinham tevê a cabo ou a internet banda larga, atualmente os seriados nunca estiveram tão em alta. Com a Netflix cada vez mais conquistando assinantes, (quase) todo mundo sabe por que Breaking Bad é tão citada por aí ou por que todos falam sobre Orange Is the New Black. Palavras como temporada, renovações e episódios são mais frequentes nas rodas de conversa. Dito isso, parece que 2015 foi um dos anos em que mais se discutiu série, analiticamente ou não. No ônibus, metrô, cafezinho da firma, Messenger, Whatsapp, não era difícil ouvir coisas como: você viu quem morreu no final de Game of Thrones? O que achou de Fear The Walking Dead? E a cena da orgia de Sense8, hein? Nossa, Narcos é muito bom! Dessa forma, o último post de 2015 não poderia ser outro senão sobre um panorama geral do que aconteceu de mais importante no mundo das séries americanas.
Embora os canais pagos tenham produzido ótimas séries e temporadas, o principal assunto foi o fenômeno Netflix. Se há quatro anos os canais começavam a se preocupar com um serviço streaming roubando a fatia fiel do público, atualmente eles mesmo tentam oferecer um trabalho parecido, afetando não apenas canais abertos, mas provedores de banda larga e empresas de televisão por assinatura.
As pessoas recomendaram mais, assistiram mais e participaram de um novo fenômeno cultural que vem mudando a forma de se consumir conteúdo. Assim, o ano começou com a elogiada terceira temporada de House of Cards, indo para Orange Is the New Black, além de comédias leves e inteligentes, como Unbreakable Kimmy Schmidt, Grace & Frankie e Master of None, que presentearam o público com enredos menos óbvios do que as já batidas sitcoms. Mas foram nos dramas que a Netflix brilhou. Com Bloodline, pudemos acompanhar uma intrigante história familiar criada pelas mentes por trás de Damages, voltamos ao universo de Breaking Bad com a estreia de Better Call Saul, o terror de Hemlock Groove ganhou uma nova temporada, ainda que criticada e Um Drink no Inferno começou a se desvencilhar dos filmes, criando uma história mais original.
Mas foi depois da estreia de Sense8, em junho, que tudo parece ter girado em torno da Netflix. Fenômeno no mundo inteiro, Sense8 não só fez muita gente assinar o serviço como levou milhares de telespectadores a uma interação frenética para discutir as cenas, diálogos e teorias. Ainda que, particularmente, não ache a série tão sensacional assim, é de se aplaudir que uma produção complexa tenha alcançado um resultado tão positivo, ainda mais depois das fracassadas tentativas dos irmãos Wachowski no cinema. Outra produção que impressionou foi Demolidor, na qual salvou a dignidade do personagem em uma série bem superior ao filme homônimo.
Aliás, foi um ano feliz para fãs de séries de super-heróis. Além das diversas produções na televisão aberta (Arrow, Gotham, The Flash, Agent Carter, Agents of S.H.I.E.L.D, Supergirl), Jessica Jones surpreendeu utilizando uma temática de fantasia para falar sobre feminismo e abuso. E, para nós brasileiros, o ano foi de prestígio. Narcos, uma das produções mais elogiadas de 2015 e dirigida por José Padilha, ainda rendeu uma indicação ao Globo de Outo de melhor série dramática, assim como uma de melhor ator para Wagner Moura, que interpretou Pablo Escobar.
Vivemos, portanto, na maior revolução da televisão eu seus mais de 80 anos de existência.
Na televisão fechada americana, Game of Thrones brilhou ao ganhar o Emmy de melhor série dramática, ainda que tenha apresentado sua temporada mais criticada. Mad Men encerrou sua trajetória entrando para a história como uma das séries mais premiadas e importantes dos últimos anos. Fear the Walking Dead foi bem na audiência e ruim na execução. Já The Walking Dead deu ao público a dolorosa morte de um personagem querido e vê sua audiência aumentar a cada episódio, deixando claro que o universo dos zumbis ainda ficará no ar por alguns anos. Fargo voltou com sua segunda temporada arrancando elogios, com um elenco primoroso e um roteiro mais complexo do que em seu primeiro ano, bem diferente de True Detective, que não conseguiu superar sua primeira temporada e acabou ganhando a rejeição do público.
Mr. Robot, mesmo não muito conhecida pelo público em geral, se transformou na grande surpresa do ano, apresentando um episódio piloto incrível e conseguindo segurar o ritmo até o fim da temporada. American Horror Story vai perdendo a força a cada temporada, mas mostrou, até o momento, episódios bem melhores do que seus dois últimos anos. Orphan Black superou a expectativa dos fãs, fazendo-os questionar, mais uma vez, por que Tatiana Maslany não ganhou um Emmy de melhor atriz até hoje.
Unreal chegou tímida, mas conquistou a crítica mostrando os bastidores de um reality show enquanto acompanha de perto a vida dos produtores. The Americans voltou para sua terceira temporada com o mesmo ritmo das duas primeiras, ganhando cada vez mais força na audiência. The Leftovers brilhou com uma segunda temporada bem superior ao seu primeiro ano, com roteiros originais e não mais baseados no livro de Tom Perrota.
Penny Dreadful surpreendeu por ter tido sua melhor temporada até o momento e Girls teve sua quarta e mais madura temporada, com todos os personagens ganhando o devido destaque na tela, com um texto afiado e uma Lena Dunham mais segura.
Após ganhar como melhor série no ano passado, The Affair volta a surpreender, mostrando, agora, a perspectiva das outras duas pessoas da relação. Já o novo projeto do criador de Sons of Anarchy foi, de longe, uma da séries mais vergonhosas do ano. Já cancelada, The Bastard Executioner apresentava uma trama fraca e diálogos extremamente ruins. A absurdamente ruim The Strain começou sua segunda temporada conseguindo um feito interessante: ser pior do que a primeira.
Falling Skies encerrou sua trajetória sem fazer muita barulho e Bates Motel mostra um visível cansaço e falta de planejamento, com uma temporada que só acertou na relação doentia de Norma e Norman Bates. Halt and Catch Fire começou sua segunda temporada com uma audiência bem tímida, mas terminou com um gancho desesperador para os fãs. Looking encerrou sua breve vida com a promessa da HBO em produzir um telefilme para concluir sua história, assim como Nurse Jackie disse adeus sem chamar muita atenção. Veep se mantém como a melhor comédia da TV atualmente, mesmo após quatro anos e Homeland volta a ganhar o respeito da crítica e a confirmação de uma nova temporada para o ano que vem. The Comeback voltou depois de dez anos fora do ar, com uma qualidade absurda e a dúvida eterna se a HBO dará uma nova chance a Valerie Cherish.
E ainda tivemos uma velha senhora que, vez ou outra, chama atenção. A televisão aberta americana vive em crise há alguns anos, com séries fracas que sobrevivem de anúncios e uma audiência pífia. Mas em 2015, The Good Wife continuou forte, ainda que tenha sofrido uma queda considerável na audiência. How to Get Away with Murder se firmando com uma das séries mais fortes da temporada, assim como Empire, único seriado de canal aberto que vê sua audiência aumentar a cada semana. Supergirl, mesmo com seu piloto vazado meses antes da estreia, começou com uma audiência forte e segue até agora, tendo garantida sua primeira temporada completa. Fomos obrigados a nos despedir de Hannibal, uma das melhores séries fora do circuito TV a cabo/Netflix. Glee encerrou sua história de maneira solitária, com uma audiência vergonhosa. A surpresa fica por conta de Blindspot, quem vem apresentando uma audiência sólida sobre a história de uma mulher que é encontrada nua e sem memória no meio da Times Square.
Ainda não muito conhecida do público brasileiro, Quântico já garantiu sua segunda temporada e vem crescendo na audiência. A série é estrelada pela atriz indiana Priyanka Chopra e gira em torno da protagonista Alex Parrish, uma recruta da FBI que acaba se tornando suspeita de ter planejado um atentado terrorista em Nova York. As criações de Ryan Murphy continuam chamando a atenção, mas não tanto par segurar a audiência. Scream Queen sofreu para conseguir uma renovação e foi mal das pernas até o fim. Já no pequeno canal americano The CW, três produções se destacaram: a segunda temporada da premiada Jane The Virgin, iZombie, série do mesmo criador da inteligente Veronica Mars e que vem arrancando críticas positivas por onde passa, e The Signifcant Mother. As três série surpreendem por apostarem em um texto mais inteligente, que foge dos clichês dos seriados adolescentes habituais. Tivemos, ainda, a deliciosa volta de The Muppets, com atuações que não devem nada a personagens de carne e osso.
Ainda assim, é impressionante perceber a a discrepância entre a televisão aberta e os canais fechados/Netflix. E ao que tudo indica, o próximo ano será exatamente igual. Além da questão da qualidade inferior dos produtos feitos para televisão aberta, os produtores têm uma palpável relutância em aceitar que, hoje, o público responde a programas, não a emissoras. Vivemos, portanto, na maior revolução da televisão em seus mais de 80 anos de existência. Em 2016, a Netflix terá mais de 320 horas de programação original. Quem vai precisar de televisão?