É fato que para se entender o presente é preciso conhecer a História e, assim, não cometer os mesmos erros do passado. Todavia, o que acontece quando o passado é contado com erros?
A produção Os Últimos Czares, da Netflix, surgiu com uma boa intenção: juntar História e entretenimento. A ideia ambiciosa é contar os acontecimentos que resultaram na Revolução Russa de 1918 por meio de um “megadoc”, ou seja, um gênero que mistura documentário e drama, mostrando os últimos momentos do Império Russo de Nicolau II.
Com 6 episódios, o “docudrama” vai desde a coroação do Czar, em 1894, até a sua execução, abordando a política russa da época, fases econômicas, os conflitos familiares do imperador – desde sua insegurança pessoal à aparição de Rasputin – e o resultado de tudo isso: a Revolução Bolchevique.
Para dar o ar documental à obra, as cenas são intercaladas com narração e depoimentos de historiadores como Douglas Smith, que escreveu uma biografia sobre Rasputin, e Simon Sebag Montefiore – autor de Os Romanovs. Porém, a presença de conhecedores da área não isentou a série de cometer erros históricos que poderiam ser evitados através de uma simples checagem de pós-produção.
Talvez o erro mais estapafúrdio tenha sido a imagem em um episódio com a legenda “1905” mostrando a Praça Vermelha com o Mausoléu de Lênin – que morreu mais de 20 anos depois. Um erro imperdoável para uma série que se diz documental. Outra escorregada é quando o narrador chama as filhas do rei montenegrino, que vivem na corte russa, de “princesas negras”, termo que nunca existiu. Provavelmente, houve um erro de tradução da palavra russa “Tchernogorskie” (montenegrino) com “tchernie” (preta).
A presença de conhecedores da área não isentou a série de cometer erros históricos que poderiam ser evitados através de uma simples checagem de pós-produção.
Outro ponto problemático, apesar da boa atuação do elenco, é que a série tem como única língua o inglês. E, para algo que se diz minimamente realista, fica difícil levar a produção a sério ou ter a sensação de imersão com a imperatriz Aleksandra rezando em língua inglesa dentro da Igreja Ortodoxa Russa ou personagens proferindo palavras chulas que o léxico russo da época não continha.
Os Últimos Czares tem seu ponto positivo no figurino e na ambientação. Os palácios são bem representados, as roupas condizem com a época e os atores são muitíssimo similares aos personagens fisicamente, o que ajuda, um pouco, a mergulhar na obra, além de boa análise psicológica.
O real problema da série não está necessariamente nos lapsos históricos (ainda que graves) ou na liberdade criativa, afinal, quantas obras são baseadas em fatos reais? O equívoco extremamente perigoso de Os Últimos Czares é utilizar um ar documental, fontes históricas e cenas que não conseguiremos nunca saber como realmente ocorreram como sendo verdades absolutas.
Afinal, não há ninguém vivo para contar o que aconteceu no momento de execução da família Romanov. Mas, e se o telespectador menos questionador encarar as cenas como fatos e não como representação? Quando se fala em contar a realidade, todo cuidado é pouco.