Chegamos, por fim, ao encerramento da primeira etapa do pleito eleitoral para as prefeituras brasileiras. Cada eleição é sempre uma oportunidade de nos surpreendermos com a espécie de “circo de horrores” que envolve a disputa pelos cargos – o que gera, simultaneamente, momentos de diversão, de repulsa e (por que não?) de necessária reflexão sobre o uso dos meios de comunicação.
Foi a primeira eleição após a reforma eleitoral que estabeleceu novas regras à propaganda dos candidatos. Para a alegria de muitos, reduziu-se consideravelmente o espaço em que os concorrentes ocupam da grade televisiva. As estratégias de marketing eleitoral, sempre em processo de aprimoramento, precisaram então encarar o desafio de repassar as mensagens dos candidatos de forma mais sucinta e, teoricamente, mais eficiente.
Como sempre discutimos aqui na coluna, independente de qualquer opinião, a TV continua como meio de comunicação central à população brasileira. É por meio dela que boa parte dos cidadãos saberá qualquer coisa acerca dos pretendentes aos cargos políticos. Não obstante, as campanhas dos candidatos precisam tentar dialogar com uma plateia múltipla – que envolve tanto os que ainda consideram prioritariamente a televisão para tomar suas decisões, quanto os mais conectados nas chamadas “novas mídias”.
Em Curitiba, por exemplo, vimos diversos tipos de performances no horário político. Requião Filho, por exemplo, tentou configurar sua estratégia televisiva como uma espécie de candidato dos jovens, com trilhas meio estilo thug life e elementos que recuperavam algo da estética do hip hop. Sua postura tem algo de desafiadora, meio badass, meio Requião versão 2.0 (usa, inclusive, o mesmo estilo de camisa jeans que o pai), associando-se a uma postura de rebeldia jovial (veja um vídeo aqui). Não por acaso, seu discurso subentende um “nós” (os jovens?) que se estabelece em oposição a um “eles”.
Estratégia bem diferente foi utilizada pela candidata Maria Victoria, cuja campanha anuncia uma moça da “tradicional família curitibana”, a que estudou em bons colégios, teve oportunidades e as aproveitou. Seu próprio jingle de campanha (o “olha ela aí”) guarda alguma relação com o bordão de uma ex-Big Brother Brasil, que é associada a uma ideia de “peruíce” e de franqueza.
Mas que nós, eleitores, não nos enganemos: a comunicação eleitoral é o território da performance, ou seja, de uma espécie de atuação altamente controlada, tendo em vista os diversos fins que se pretende alcançar. Ou seja, embora o resultado dessa comunicação seja sempre incontrolável, todas as campanhas buscam o máximo de eficácia nas suas mensagens. Mesmo quando a chave da leitura é a espontaneidade (por exemplo, quando um candidato se choca ou se comove em alguma situação), este sentido é, quase sempre, já previsto por aqueles que orquestram suas campanhas.
Mas que nós, eleitores, não nos enganemos: a comunicação eleitoral é o território da performance, ou seja, de uma espécie de atuação altamente controlada, tendo em vista os diversos fins que se pretende alcançar.
Por isso mesmo, muito se criticou nestas eleições sobre o formato dos debates em televisão, pois acabaram se tornando apenas “um jogo de estratégia bem jogado”, como pontua o jornalista político Rogério Galindo, e não de fato um embate de ideias, de propostas, uma discussão que chega a algum lugar. Ou seja, os debates se tornaram um palco de performances, pois partem de um formato engessado e algo anacrônico a um mundo permeado pelas redes sociais, em que tudo é contestado de forma extremamente rápida. Aquilo que escapa do domínio do jogo cênico se torna o elemento mais buscado pelos espectadores, já bastante letrados na “cartilha” do palco eleitoral.
Não por acaso, possivelmente o episódio que mais se discutiu foi o vídeo de Rafael Greca falando sobre a repulsa que teve ao colocar um morador de rua em seu carro. Em um cenário em que as performances são a regra, o vídeo repercute justamente porque seu contexto está descolado da sua campanha: o candidato não está entre seus pares, mas sim em um debate em uma universidade e, a princípio, é o momento em que imaginamos que falará o que realmente pensa, sem um assessor soprando em seu ouvido a resposta certa.
É bom dizer que a fala de Greca é absolutamente condizente com o personagem que ele representa e que consolida parte do seu carisma: a de uma pessoa que, pelo avançar da idade, já não possui mais os filtros sociais que carregamos durante toda a vida e, portanto, só diz “verdades”, aquilo que todos pensam e não têm coragem de manifestar. A grande questão é que essa fala se dá em um ambiente de convergência, em que nada mais escapa das câmeras.
A consequência natural é que se recorte a frase (que é, sim, terrivelmente infeliz) e ela passe a circular em diferentes circuitos de comunicação, com seus diferentes contextos. Nesse universo do total descontrole das mensagens, em que as imagens do real parecem incontestáveis, não resta o que fazer se não tentar remendar um outro significado possível àquilo que se vê.
Por fim, uma pontuação pessoal: sugiro aos analistas das campanhas eleitorais uma investigação sobre os termos mais empregados pelos candidatos. Numa observação prévia, considero extremamente lamentável a quantidade de vezes que ouvimos os candidatos dizerem que governam por “amor” a Curitiba, que política é lugar do “coração”. O fato de que esse discurso da pessoalidade – ou seja, do julgamento da competência a um cargo público por meio da exposição dos “sentimentos” – ainda cola entre nós mostra que ainda precisamos evoluir muito como eleitores.