Power Couple Brasil, que estreou sua segunda temporada na semana passada na Record, é o tipo de franquia midiática de apelo bastante específico: é um programa que incluímos dentro da categoria de guilty pleasure, ou seja, um “prazer com culpa” que assumimos com uma certa vergonha. Isso se dá porque sabemos que é uma atração bastante ruim. Há vários elementos de baixa qualidade que ninguém consegue recusar: é uma competição vazia, sobre praticamente nada, reunindo casais vagamente famosos (alguns são estrelas que ficaram no passado; outros são personagens que alimentam a máquina de uma “TV lixo”; já os últimos são conhecidos pelo simples fato de já terem participado antes de programas parecidos).
Há, claro, um certo verniz aplicado a Power Couple Brasil de que ele fala sobre amor, cumplicidade, união (e está aí o clássico dos anos 80, “The Power of Love“, interpretada por Huey Lewis, tocada a todo instante para nos lembrar disso). Mas até nisso o programa não escapa da pegada de trash television: a graça está justamente em ver as intrigas, a ignorância e a futilidade que emergem dos encontros entre os casais.
Em sua primeira semana, Power Couple Brasil já revelou ter sido planejado com cuidado para que todos estes elementos sejam oferecidos ao espectador. Vejamos: são 11 casais com graus de carisma variados, mas com algo em comum, que é uma tendência à flor da pele para tornarem-se competitivos e começarem a expor suas intimidades. As provas, como notou o colunista Chico Barney, são um tanto cretinas, e reforçam visões bem estereotipadas das aptidões de cada gênero: mulheres não servem para as tarefas domésticas, como trocar chuveiro, e os homens não entendem por que as mulheres carregam tantas tralhas nas bolsas. O apresentador, Roberto Justus, é um personagem situado nesta zona conflituosa entre um homem bem-sucedido nos negócios/personagem sintomático da TV trash.
Se o grande sabor dos reality shows está na caça de pequenas gotas de realidade que eventualmente surgem quando as pessoas esquecem que estão sendo filmadas, a primeira semana de Power Couple Brasil já trouxe alguns aperitivos de que, a princípio, estes casais se comprometem a revelar-se no seu pior retrato.
Além disso, a edição favorece este sabor de divertimento de má qualidade. Nas interações entre os casais, são destacadas justamente os desajustes que logo mais poderão levar a barracos. Tem algo parecido no deleite de ver Power Couple com o de assistir a programas como Casos de Família, no SBT: a impressão de que uma explosão está sempre prestes a acontecer – com a diferença que, no caso do reality da Record, temos uma sensação um pouquinho maior de autenticidade.
Se, conforme já dito nesta coluna, o grande sabor dos reality shows está na caça de pequenas gotas de realidade que eventualmente surgem quando as pessoas esquecem que estão sendo filmadas, a primeira semana de Power Couple Brasil já trouxe alguns aperitivos de que, a princípio, estes casais se comprometem a revelar-se no seu pior retrato – naquilo que é escondido entre as quatro paredes. O casal Sylvinho Blau Blau e Ana Paula, por exemplo, não esconde o desgaste, e define sua convivência em “vinte anos de desafinidades”. Já Diego Cristo apresentou sua mulher, Lorena, como um “trem desgovernado”. Ambos são “famosos” por terem participado antes de A Fazenda, outro programa sintomático deste filão do entretenimento.
Mas talvez o personagem mais esperado de Power Couple Brasil – e que pode configurar a grande estrela do programa – é o ex-Polegar Rafael Ilha. Sua trajetória foi inteiramente televisionada: foi na TV que acompanhamos a ascensão e queda de Rafael, de participante de boy band brasileira a ex-famoso que se afundou no mundo das drogas mais pesadas, como o crack. Assim, Rafael, de certa maneira, é por si mesmo um programa específico, com uma narrativa irresistível: a de alguém que desce ao inferno e volta para contar a própria história.
Tal como ocorre com o jogador Edmundo e sua narrativa da culpa, Rafael personifica o indivíduo ferido, quebrado. O que deve torná-lo ainda mais atraente aos espectadores é a constatação de que ele não nega esta marca e, de fato, carrega-a no corpo e na sua fala. Já no primeiro episódio, Rafael fez piada sobre a obrigatoriedade de conviver na mesma casa com outros casais: “não tenho problema com confinamentos. Já passei por confinamentos bem piores”, brincou, fazendo referência às diversas vezes em que foi preso em razão de seu envolvimento com drogas. Não há como desligar a TV quando um personagem como este vem à tela.
Power Couple Brasil, portanto, é um produto perfeitamente adequado ao entretenimento que consideramos de má qualidade e, por isso mesmo, a que assumimos assistir por meio de uma espécie de “culto” informal. Se isto parece mais inviável em outros produtos de mídia – é mais difícil, por exemplo, declarar que gastamos tempo consumindo baixa literatura –, isso se dá pelo fato de que associamos à própria natureza da TV como um espaço apropriado para expiar o nosso mau gosto.