A última temporada no Programa do Jô na Rede Globo tem trazido uma oportunidade única aos espectadores de televisão: o de acompanhar o processo de encerramento de uma atração histórica. Não é algo costumeiro na mídia brasileira, diferente do que ocorre em outras praças (por exemplo: o fim do Late Show, de David Letterman, após 33 anos no ar, foi celebradíssimo e acompanhado de perto pelos norte-americanos). Aqui, talvez pela primeira vez, temos a oportunidade de acompanhar de perto uma espécie de “crônica da morte anunciada” de um programa que, gostando ou não, é de suma importância na trajetória da TV brasileira.
No ar na Globo desde 2000, Programa do Jô marcou a volta de Jô Soares à emissora – foi lá que consolidou sua carreira enquanto humorista, em programas como Faça humor, não faça guerra e Viva o Gordo, no qual emplacou definitivamente seu talento para o texto e a interpretação da comédia. Como entrevistador, Jô é sempre lembrado por sua erudição e o domínio do formato talk show, mas também por uma espécie de egocentrismo em sua tendência a monopolizar suas entrevistas. Esta marca já foi inclusive satirizada por outros humoristas, como a trupe do Porta dos Fundos.
Ora, qualquer migalha de pista que surge já é uma razão certeira para que nós, como detetives, comecemos novas discussões acerca do funcionamento da televisão.
Como Jô Soares costuma lembrar nestas últimas edições do Programa do Jô, pode não ser exatamente o encerramento dele enquanto um personagem central da televisão, mas sim uma despedida da maior emissora de todas.Esta, inclusive, já é a segunda casa do talk show, que esteve hospedado no SBT – e intitulado Jô Soares Onze e Meia – entre os anos de 1988 e 1999.
E aí surge a parte interessante do atual episódio, o fato de estarmos assistindo, in loco, à despedida de Jô da grande vênus platinada – o que, certamente, inspira muita curiosidade e a abertura a certas teorias da conspiração (que se provarão verdadeiras ou não). Em entrevista com o economista Eduardo Gianetti, uma nova pista: Jô afirmou que não está deixando a televisão, mas a televisão que está o deixando.
Ora, qualquer migalha de pista que surge já é uma razão certeira para que nós, como detetives, comecemos novas discussões acerca do funcionamento da televisão. Estaria Jô Soares sendo vitimado por algum tipo de censura sobre seu posicionamento político? Ou então sucumbe à morte midiática prevista à máquina televisiva, vinculada a uma possível queda de níveis de audiência de seu programa, depois de tantos anos no ar? Estaria ele condenado à aposentadoria frente a outros humoristas, mais conectados à juventude, promovidos a entrevistadores, como Fábio Porchat, Marcelo Adnet e Danilo Gentili?
A última temporada tem rendido ótimos episódios para esta reflexão. Chama-me a atenção o quanto as últimas entrevistas batem na tecla da memória ou, mais precisamente, na falta dela. Em uma rara – e muito interessante – entrevista com Faustão, o famoso apresentador fez questão de reforçar, a todo instante, estar diante de um dos três maiores humoristas da televisão brasileira. Havia, de certa maneira, um esforço constante em assentar às novas gerações (que não o assistiram em Viva o Gordo) a importância de Jô para além daquilo que hoje ele é conhecido.
Consequentemente, Faustão parece reivindicar importância e permanência a si mesmo, enquanto alguém que – embora esteja sempre associado à má qualidade televisiva, ou seja, a uma peça que garante o bom funcionamento da “máquina” – já esteve à frente daquilo que era mais inovador na televisão. Jô Soares, em contrapartida, destacava na entrevista a centralidade do Perdidos da Noite enquanto programa associado a um discurso de vanguarda, algo subversivo, de uma “televisão anti-televisiva” – algo, de certa forma, já quase esquecido na trajetória de Fausto Silva.
De toda forma, os últimos “capítulos” da estrada percorrida por Jô Soares na Globo certamente deverão trazer mais elementos sobre como encaramos a televisão no Brasil – e o quanto ela reproduz, como um perfeito elemento do mundo social, características da nossa vida “real”, como a desconfiança aos meios de comunicação (se estivesse sendo “demitido” de emissoras menores, haveria a mesma curiosidade?) e a completa desconexão que temos com a nossa própria história.