Houve um filme que, nos anos 1980, causou um verdadeiro furor. Atração Fatal, obra de Adrian Lyne com Glenn Close e Michael Douglas nos papéis principais, foi um sucesso absoluto, mas se consolidou na memória cultural como um filme que trazia uma resposta conservadora aos avanços feministas que surgiam na época.
Faz sentido: a trama girava em torno de um homem bem casado, Dan Gallagher (Douglas), com uma filha pequena, que acaba tendo um caso rápido com uma mulher livre e bem sucedida, mas solteira. Depois de breves encontros, Alex Forrest (Glenn Close) fica obcecada pelo sujeito e começa a tornar a sua vida e de sua família um inferno.
O fato é que Atração Fatal se tornou uma espécie de filme maldito. Por isso, é até interessante pensar que algum showrunner se aventure em recontar esta história em pleno 2023. Mas é isso o que acontece em Atração Fatal, série da Paramount+ que encara essa missão de forma bastante interessante. A ideia aqui é completar os buracos da obra original: a complexidade que faltava a Dan, para não ser mais visto como uma vítima, e a Alex, retratada apenas como uma louca sem qualquer background.
Encarando esse desafio, está uma dupla bem escolhida para os dois papéis. Joshua Jackson (de The Affair) vive um promotor bem sucedido que está prestes a conseguir uma promoção para se tornar juiz, seguindo a carreira do seu pai. Mas sua trajetória vai mudar quando, depois de uma frustração profissional, ele acaba pondo em prática a atração que tem por Alex (vivida por Lizzy Caplan, de Meninas Malvadas e Masters of Sex), uma auxiliar na promotoria que parece flertar o tempo todo com ele.
O resto da história deste “thriller erótico” (subgênero muito popular nos anos 1980 e 1990) é só tragédia.
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A ideia deste remake, na verdade, é funcionar como uma espécie de spin-off do filme original. Isto porque ele já parte do fim (a morte de Alex), mas desdobra o que teria ocorrido depois deste fato. A série é contada em dois tempos, que intercalam todo o caso entre Dan e Alex, e o que acontece quinze anos depois, quando Dan é solto em liberdade condicional após ter ficado preso pelo assassinato da amante.
O fato é que Atração Fatal se tornou uma espécie de filme maldito. Por isso, é até interessante pensar que algum showrunner se aventure em recontar esta história em pleno 2023.
Dan passa então a afirmar que não matou Alex, e vai em busca de provas para conseguir um novo julgamento. Seu aliado nesta luta é Mike (Toby Huss), um ex-investigador de polícia que restou como o único amigo de Dan após seu destino ser selado.
O contraponto entre dois tempos é um recurso bastante interessante no sentido que ajuda a explorar o personagem de Dan Gallagher. Ele é mostrado como um sujeito narcisista e que se sente no topo do mundo, representando uma ideia de masculinidade padrão que acredita que tudo que existe serve apenas para atender seus desejos. Quando seu “império” rui e ele se torna um condenado da justiça, todas as pessoas do passado que cruzam com ele só manifestam seu desprezo por aquilo que ele foi.
Outro novo aspecto abordado em Atração Fatal é o que ocorreu com os que ficaram: a esposa de Dan (Amanda Peet), mas sobretudo a sua filha (Alyssa Jirrels), que era apenas uma criança quando o pai foi preso. Ela cresceu e se tornou uma estudante de psicologia, e desenvolve uma tese sobre Carl Jung e sua colaboradora Toni Wolff. A partir daí, a série da Paramount pretende investigar quais foram os impactos do trauma familiar na moça – que chegou a ser sequestrada pela amante do pai.
Mas quem brilha de verdade na série é Lizzy Caplan, que parece ter nascido para viver Alex Forrest. Ao primeiro olhar, parece estranho imaginar a escolha de Lizzy para viver o icônico papel de Glenn Close. Há inclusive uma espécie de paradoxo nessa escolha: a Alex de Lizzy tem cabelos negros e só veste roupas pretas; já a de Glenn era loira, com belos cabelos encaracolados esvoaçantes, e só vestia roupas brancas.
Aos poucos, vamos sendo apresentados às nuances mais sombrias do passado de Alex Forrest que ajudariam a explicar (mas nunca justificar) os comportamentos obsessivos que ela passa a apresentar. A performance de Lizzy Caplan, nesse sentido, é perfeita: ela traz uma combinação entre o psicótico e o vulnerável que nos faz realmente acreditar que sua mente seja capaz de estimular os tipos de ação que ela comete.
Pode não ser uma grande série, mas Atração Fatal (com exceção do episódio final da temporada) consegue surpreender positivamente ao trazer novas nuances para uma história tão conhecida. E, de quebra, há vários easter eggs (atenção ao coelhinho no corredor do prédio de Alex) espalhados nos episódios que fazem referência à obra original.
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