Criado em 1977, o canal de televisão americano Nickelodeon sempre foi visto como uma das organizações de mídia mais bem-sucedidas na comunicação com as crianças e os adolescentes. São vários os programas e desenhos animados memoráveis vindos da emissora – incluindo, por exemplo, Rugrats: Os Anjinhos, iCarly, Kenan & Kell, Doug e Ren & Stimpy. Ocorre que, durante uma longa fase do canal entre os anos 2000 e 2010, coisas terríveis se desdobravam nos bastidores. É essa história de abusos de todos os tipos que é contada na série documental O Lado Sombrio da TV Infantil, produzida pelo Investigation Discovery e exibida no Brasil pela Max.
São cinco episódios em que se desenrolam escândalos terríveis, como denúncias de abusos cometidos por pedófilos que trabalhavam no canal, relatos de discriminação misógina contra as roteiristas e casos claros de diferenças entre os atores por questões racistas. Tudo absolutamente escandaloso, mas com um detalhe: todos os acontecimentos ocorreram sob a gestão de Dan Schneider, um produtor premiado e que era considerado um gênio dentro do gênero, e que só deixou o canal em 2018.
O que se vê ao longo da série é terrível. Há depoimentos de atores e atrizes, funcionários e jornalistas que explicitam o que ocorria nos bastidores do canal que estava sendo incensado em público, por estar produzindo a nata da programação infantil na época, com programas premiados como iCarly, Sam & Cat, Drake and Josh e All That, uma espécie de Saturday Night Live com crianças.
Só que esse novo olhar à arrojada programação, feita pelo documentário, mostra algo que esteve sempre lá, mas nunca foi notado, até agora: todos os programas sexualizavam de forma grotesca as crianças em cenas explícitas. Em uma delas, Ariana Grande claramente aparece masturbando uma batata, emitindo sons de prazer. Em muitos outros momentos, meninas são mostradas tendo seus pés acariciados por adultos de forma sensual – Schneider tinha esse fetiche na vida real.
Abusos sexuais em um canal infantil
É tudo muito chocante, e soa leviano elencar uma espécie de gradação entre as violações cometidas contra as crianças.
É tudo muito chocante, e soa leviano elencar uma espécie de gradação entre os abusos cometidos contra as crianças. Contudo, é especialmente triste o caso envolvendo o ator Drake Bell, um dos dois protagonistas da série Drake and Josh.
Em um depoimento dado pela primeira vez, ele conta que sofreu abusos sexuais de um assistente de produção chamado Brian Peck, que acabou condenado a 16 anos de prisão. Na época do processo aberto contra Peck, o nome do ator foi preservado para protegê-lo. Mas agora, pela primeira vez, ele dá detalhes de como foi a aproximação e toda a dinâmica de poder iniciada pelo pedófilo para que Bell não revelasse o que acontecia para outras pessoas.
A história toda é terrível. Embora o conteúdo seja forte, pode-se dizer que, em termos de qualidades técnicas e narrativas, O Lado Sombrio da TV Infantil resvala um pouco em uma abordagem sensacionalista exagerada – o tema, em si, já seria suficientemente forte. Há, por exemplo, o uso forçado de cliffhangers (cada episódio termina tentando seduzir o espectador a ver o próximo). E, por fim, há um último episódio, produzido depois da exibição da série nos Estados Unidos, que é desnecessário.
Tirando essas questões, O Lado Sombrio da TV Infantil se mostra como uma atração forte, mas necessária, para esclarecer o quanto uma regulamentação em torno do entretenimento infantil em TV sempre foi importante. Afinal, as crianças ficam absolutamente vulneráveis frente a adultos poderosos que coordenam essa atividade – seja aquelas que estão atrás da telinha ou participando dos sets de gravação.
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