A série Manhãs de Setembro é uma joia mais ou menos escondida na plataforma de streaming Prime Video. Se é impactante a temporada inicial, que nos apresenta a protagonista Cassandra, uma mulher trans, preta e periférica em sua luta por seu lugar no mundo, a segunda é melhor e, sobretudo, mais emocionante.
Vivida com bravura e extrema autenticidade pela cantora e atriz Liniker, Cassandra segue ganhando a vida como motogirl na cidade de São Paulo, e, à noite, se realiza, ganhando uns trocados a mais, cantando e trabalhando em uma boate LGBTQIA+ no centro da capital paulista.
No início dessa segunda leva de episódios, seis ao todo, a protagonista se desloca no espaço e também no tempo, nos permitindo conhecê-la mais a fundo. No primeiro, Cassandra e Leide (Karine Telles, de Benzinho), ao retornar de uma competição de matemática em Curitiba, do qual o filho dos dois, Gersinho (Gustavo Coelho), participou, fazem uma parada inesperada em Morretes no litoral paranaense, quando o carro quebra.
Nada acontece por acaso. A cidade é a terra natal de Cassandra, onde vive seu pai, o mecânico Lourenço, vivido por Seu Jorge (ótimo), que não a vê há muitos anos. O reencontro é tenso, mas muito tocante: além de surgir diante dele como uma mulher, a protagonista lhe apresenta um neto cuja existência o homem desconhecia.
A volta à casa paterna traz a Cassandra lembranças dolorosas, como o abandono da mãe quando tinha 4 anos. Mas também um passado de descriminação, preconceito e violência.
Vanusa
Vanusa, nesta segunda temporada, é mais do que inspiração musical. Torna-se uma espécie de super ego de Cassandra
Cassandra continua incorporando a seu repertório de cantora sucessos da carreira de sua grande ídola, Vanusa – o que explica o título da série, “Manhas de Setembro”, um dos maiores hits radiofônicos da intérprete paulista, que morreu em 2020. Dessa vez também apresenta outras canções, como “Travessia”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, que tem uma importante função dramática e narrativa em sua história.
Vanusa, nesta segunda temporada, é mais do que inspiração musical. Torna-se uma espécie de super ego de Cassandra, que ouve sua voz em momentos de crise, quase sempre a aconselhando a ser ela mesma, a ousar e não ter medo.
Na temporada inaugural, Cassandra vivia uma história de amor com o garçom Ivaldo (Thomas Aquino), homem casado e com filhos. Recém-separado, agora ele quer se unir a ela, que tem medos, inseguranças.
A direção sensível de Luis Pinheiro (de Mulheres Alteradas) e o roteiro muito bem escrito, com excelentes diálogos, tornam a série profundamente humana sem jamais cair no exotismo ou na caricatura a respeito do universo LGBTQIA+.
Os personagens coadjuvantes seguem incríveis, como o adorável casal gay formado por Aristides (Gero Camilo), um ex-padre, e Décio (Paulo Miklos), um guittarista, ambos excelentes, sutis em seus papéis. Também merece destaque Roberta (Clodo Dias), a dona trans da boate onde Cassandra trabalha e espécie de anjo da guarda da protagonista.
E Liniker segue brilhando intensamente. Sua Cassandra é multifacetada, ainda mais repleta de nuances nesta temporada. É um prazer vê-la em cena.
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