Os 25 anos do Canal Brasil serão comemorados em grande estilo, com a estreia de Notícias Populares, série criada por André Barcinski e dirigida por Marcelo Caetano. Em sete episódios, a atração pretende levar ao público histórias do finado Notícias Populares, jornal paulista que existiu entre 1963 e 2001 e até hoje está presente no imaginário brasileiro por conta de suas manchetes chamativas (muitas vezes ficcionais) e por sua relação carinhosa com o seu público.
Idealizada em 2018, a série foi produzida em co-produção entre o Canal Brasil e a Kuarup, e promete levar até o público um pouco do ambiente caótico e vivo que transcorria tanto nas páginas do Notícias Populares quanto na redação – que, muitas vezes, era frequentada pelos próprios leitores. Em entrevista coletiva, a equipe que produziu e atuou na nova série compartilha o que o público poderá conferir a partir da próxima sexta-feira no Canal Brasil e na plataforma do Globoplay.
A trama de Notícias Populares
A história central se passa em 1993, quando o jornal Notícias Populares está passando por duras críticas em razão do sensacionalismo das matérias. Para tentar salvar sua reputação, a chefia contrata Paloma (papel de Luciana Paes), uma antiga correspondente em Paris, que volta ao Brasil com a dura missão de coordenar a equipe e modernizar o NP. Ela precisa então enfrentar um dilema de como melhorar o jornal, sendo que, quanto mais absurda a capa, mais ele vende nas bancas.
A personagem não existiu na vida real, mas opera como um contraponto interessante aos outros membros da série, como Greta (Ana Flavia Cavalcanti), a colunista social dos desfavorecidos; Luna (Luiz Bertazzo), um crítico de cinema que também é jornalista sindical; Marina (Rejane Farias), uma fotojornalista implacável; Matias (Rui Ricardo Diaz), o editor do NP; e Helcio (Clayton Mariano), um jornalista policial. Luciana Paes acredita que sua Paloma opera como um contraste importante à trama. “Foi muito interessante fazê-la, pois normalmente eu faço as personagens mais populares e exageradas”, afirma.
Um dos contextos trazidos em Notícias Populares é o princípio da derrocada do jornal com a ascensão dos programas populares na televisão. Neste sentido, a personagem Rata (interpretada por Bruna Linzmeyer, em uma participação especial) aparece para simbolizar essa ameaça e a presença de jornalistas e repórteres de TV cada vez mais apelativos e dramáticos.
Bruna conta que Rata tem origens cinematográficas, e foi inspirada no Aqui Agora, nos programas de Sonia Abrão (que trabalhou no NP) e em Andrea Caracortada, protagonista do filme Kika, de Pedro Almodóvar. “A grande questão com Rata era entender como ela tinha prazer em causar o caos”, explica.
Uma abordagem carnavalesca (e carinhosa) do Notícias Populares
Notícias Populares teve idealização de André Barcinski e do diretor Marcelo Caetano, que já haviam trabalhado juntos em Hits Parade, série que presta homenagem à cultura musical brasileira nos anos 1980. Neste novo projeto, eles tinham o desafio de equilibrar o tom saudoso e bem-humorado sem ser condescendente com os excessos praticados pelo NP em seus anos áureos – entre eles, por exemplo, está a exploração do famoso caso do Bebê Diabo que teria nascido em São Paulo.
André Barcinski trabalhou no Notícias Populares no início dos anos 2000, logo após sair da Folha Ilustrada – que, na época, era um verdadeiro sonho para os jornalistas culturais. Sua mudança causou espanto nos amigos e até em seus pais. “Foi uma experiência curta, mas muito intensa, que me marcou muito. Uma oportunidade de aprender um tipo de jornalismo que a gente só pode conhecer na prática. A gente vivia naquela bolha da Folha, que era muito legal, mas quando a gente ia para o NP, era um mundo que você não conhecia de verdade”.
Essa vivência pulsante do Notícias Populares foi o que o diretor tentou reproduzir na estética dos episódios. “Tentei fazer que a experiência de assistir à série fosse similar à de folhear ou ler o jornal. A ideia era que o espectador tivesse todas as emoções e os sentimentos aflorados pelas imagens e pelo texto. É uma série que trabalha com excessos, com extremos, e com um mergulho dentro de uma linguagem de humor popular. O desafio da direção era encontrar um equilíbrio no meio do caos”.
Para Barcinski, um dos destaques da série é a reconstituição da redação, que busca transparecer a sensação balbúrdia que ocorria no local. Segundo a sua experiência, a redação do NP era diferente de qualquer outra em que trabalhou. “Porque era super barulhenta, caótica, em que a população ia até lá. Muitas vezes, as pessoas batiam na porta do jornal para fazer reclamações ou dar sugestões de pauta”, lembra.
Muitos dos objetos usados na cenografia foram obtidos no arquivo da Folha de São Paulo. “Houve um cuidado para que os objetos não fossem novos, já que muitos dos equipamentos usados na redação do NP vinham da Folha. Tentamos eproduzir a redação hardcore que realmente era”, conta Caetano.
Como seria o Notícias Populares hoje?
A série partiu de uma longa pesquisa em mais de mil edições do NP, além de entrevistas com editores e repórteres que passaram muito tempo por lá. Embora Notícias Populares aposte também na homenagem – sobretudo, por conta do olhar próximo que o jornal direcionou à população mais desfavorecida – o diretor Marcelo Caetano ressalta que várias coisas que iam para as páginas do NP seriam inaceitáveis hoje.
“O jornal foi o segundo do Brasil a ter uma coluna LGBTQIA+, ainda nos anos 1980. Ele era um caos popular”.
Marcelo Caetano
Um exemplo citado por ele é o caso famoso do “Pelezão”. Trata-se da história de um morador em situação de rua que, num dia sem notícias relevantes, foi parar na capa do Notícias Populares por ter tido relações íntimas dentro de um carro com uma “madame”. Deu tão certo que o personagem voltou por várias edições.
Embora houvessem manchetes absolutamente exploratórias, como essa, Marcelo Caetano menciona também o caráter vanguardista do jornal. “Ele tinha coluna sobre candomblé. O Lula, o Maluf e o Silvio Santos tinham colunas, por exemplo, e o jornal foi o segundo do Brasil a ter uma coluna LGBTQIA+, ainda nos anos 1980. Ele era um caos popular”, aponta.
O diretor ainda destaca um questionamento que surgiu durante uma conversa com a jornalista Laura Capriglione, que foi editora do NP. “Ela me fez pensar quando disse: será que se ainda existisse uma linguagem de jornalismo popular como a do Notícias Populares, que realmente chegasse nas pessoas com força, os meios de comunicação mais danosos, de fake news, ainda teriam lugar? Ou seja, o NP ocupava no imaginário das pessoas um lugar que hoje é ocupado por veículos de extrema direita”, explica.
A atriz Ana Flavia Cavalcanti – que interpreta Greta, a primeira colunista social negra do Brasil, e que é inspirada na jornalista Tânia Voss – acredita que a série chega em um momento importante por conta do encerramento do antigo governo, em que os jornalistas estiveram entre as classes que mais sofreram. “Foram os piores anos para jornalistas no Brasil. Então acho que a série também dá conta de prestigiar esses profissionais tão importantes”, afirma.
Sempre circulando entre o popular e o escrachado, o caos e a prestação de serviço, o sensacionalismo e o humor, Notícias Populares está de volta – pelo menos no audiovisual – para curar a saudade de seus tantos leitores e apresentar o seu legado para as novas gerações. Agora é esperar para ver.
Confira a lista de episódios de Notícias Populares
Em sua primeira temporada, a série Notícias Populares vai centrar seus episódios em histórias inspiradas em casos famosos do NP. Confira o que ela vai contar:
Episódio 1: Chuva de Brasil
A jornalista Paloma chega ao Notícias Populares, após passar anos como correspondente da Folha de São Paulo na França. Em seu primeiro dia de trabalho, tem que enfrentar um motim causado por palhaços que invadem a redação para protestar contra uma reportagem. Ao sair para a rua, Paloma se depara com um jacaré que rapta uma criança. O Brasil não é para iniciantes.
Episódio 2: Enforca-Gato
Um matador liga para a redação do NP para anunciar seus crimes. O jornalista Hélcio Trevisan batiza o homem de Enforca-Gato. Paloma se incomoda com a cobertura dada pelo colega e provoca um racha na redação. No mundo das fofocas, a jornalista Greta descobre que o autor da novela das oito quer matar a personagem principal da trama.O Brasil todo para pra ver o folhetim.
Episódio 3: Baile do Arakan
O Carnaval toma conta da redação do NP. Os jornalistas tiram folga para curtir o Baile do Arakan, um bacanal que reúne toda a marginália do Centro de São Paulo. Paloma é designada a ficar de plantão e acaba tendo por companhia o rabugento Luna.
Episódio 4: Operação Tartaruga
Com Matias fora de jogo, Paloma assume a redação do NP e passa a sofrer represálias por parte dos outros editores. Eles organizam uma Operação Tartaruga, freando apurações e atrasando a entrega de textos.
Episódio 5: O Diabo de cada um
O Bebê-Diabo está à solta. A redação do NP é tomada por pessoas que afirmam ter visto a infame criaturinha. Em meio à histeria coletiva, o foca Adilson conhece um padre que lhe inspira muito mais do que conselhos espirituais. Enquanto isso, Paloma tem que lidar com as agressões sofridas por seu filho Marquinhos na escola.
Episódio 6: Fogo amigo
O radialista Hilário de Mello estreia um programa sensacionalista em uma das principais emissoras de TV do país. Entre as atrações está a jornalista Rata, que passa a rivalizar com o NP na busca por matérias inusitadas. Rata consegue dar furos históricos, deixando Paloma preocupada com o destino do NP.
Episódio 7: Treme-Treme
Paloma se aproxima das moradoras do Edifício Século XXI, um treme-treme conhecido como Torre da Perdição, habitado por prostitutas e cafetinas. Desde os ataques de Rata e Hilário, elas têm sido perseguidas pela polícia e pelos moradores do Centro. Paloma mobiliza o NP para defender o Edifício Século XXI.
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