A sombria e crua quarta temporada de ‘Orange Is The New Black’
por Rodrigo de Lorenzi
A terceira temporada de Orange Is ihe New Black trouxe algumas questões bastante pertinentes, como machismo, estupro, feminismo, homossexualidade, transfobia e por aí vai. Entretanto, embora o discurso tenha sido necessário, a narrativa deixou um pouco a desejar. Com tramas chatas sobre tráfico de calcinha, “santa Norma” e personagens até certo ponto bobos demais, a série continuava a oscilar entre comédia e drama, sem realmente se aprofundar em todas as questões. Mas já nos seus últimos episódios, OITNB ensaiava algo bastante perturbador. Se o último capítulo termina com uma linda cena na qual as mulheres experimentam um simulacro de uma liberdade provisória, agora sabemos que tudo aquilo era uma espécie de calmaria antes da tempestade. Dito isso, a quarta temporada de Orange Is the New Black finalmente mostra ao público que aquela prisão está longe de ser uma colônia de férias.
Na nova temporada, todos os arcos ensaiados no ano anterior ganham contornos mais sérios. Piper (Taylor Schilling) começa a perder o controle de seu negócio de calcinhas e sofre as consequências em cenas bastante pesadas. O diretor de Litchfield, Caputo (Nick Sandow), deixa o poder subir à cabeça e é influenciado pela sua namorada e colega de trabalho Linda (Beth Dover). Veteranos de guerra começam a trabalhar no presídio, liderado por um frio capitão chamado Piscatella (Brad Willian Henke) e por guardas sem o menor pingo de empatia. Personagens importantes voltam à cena com plots mais inspirados e algumas detentas que serviam apenas como alívio cômico ganham contornos mais humanos e têm suas histórias contadas de forma bastante emotiva.
Mas acima de tudo, o novo ano de OITNB mergulha em questões cruciais quando pensamos como seria a vida dentro de um presídio. Mesmo o cárcere sendo de segurança mínima, havia um certo exagero na leveza com a qual aquelas mulheres cumpriam suas penas. Assim, a criadora da série, Jenji Kohan, mostra uma maturidade e segurança impressionante em seu roteiro ao levar a série, pouco a pouco, a um terreno sombrio e pesado. Orange Is the New Black chega naquele ponto em que o enredo muda de forma irreversível e mergulha em tensões econômicas do sistema carcerário norte-americano, mostra as fortes questões raciais dentro da prisão e arquiteta uma guerra cultural com consequências graves para todas as detentas.
OITNB chega naquele ponto em que o enredo muda de forma irreversível e mergulha em tensões econômicas do sistema carcerário norte-americano, mostra as fortes questões raciais dentro da prisão e arquiteta uma guerra cultural com consequências graves para todas as detentas.
Desde a superpopulação no presídio, à guerra de latinas contra as norte-americanas/brancas e até um grupo racista e extremista, OITNB escancara uma micro-sociedade bastante próxima da realidade. Conflitos e questionamentos reais são jogados na tela e o humor é usado pontualmente e de forma bem mais inteligente. Assim, a série se torna muito mais eficiente quando percebe que não é uma sitcom e que suas personagens têm camadas bastante profundas e que são capazes de criar uma forte empatia no público.
Com novas regras, o clima de Litchfield vai mudando a cada episódio e fica claro que os roteiristas sempre souberam para onde levar a série, culminando em decisões criativas bastante difíceis, mas necessárias para o desenvolvimento da narrativa. Enquanto há uma pesada história sobre tráfico de drogas e racismo, histórias paralelas vão acontecendo, como a de Pennsatucky (Taryn Manning), o guarda estuprador que parece ganhar o perdão dos roteiristas (mas apenas parece). Sophia (Laverne Cox) tem sua participação reduzida a pouquíssimos episódios, mas sofre no desespero de seu confinamento solitário. A celebridade Judy King (interpretada pela ótima Blair Brown) chega à Litchfield cheia de privilégios e levanta uma interessante discussão sobre a mídia e os setores federais norte-americanos.
Lentamente e de forma dolorosa, a temporada chega a um ponto perigoso. Dentre todos os argumentos, o que mais assusta, talvez, seja a forma com a qual os guardas abusam das prisioneiras, deixando-as completamente vulneráveis. Os roteiristas criam uma forte ligação do público com aquelas personagens, para depois nos lembrarmos de que aquelas mulheres não são consideradas humanas perto daqueles homens e que tragédias podem e vão acontecer, enquanto Litchfield mergulha, cada vez mais, numa corrupção sem precedentes.
Liderados por Piscatella, os guardas vão inserindo o terror em cada canto da penitenciária. Algumas cenas, aliás, são quase insuportáveis de assistir, desde uma briga entre duas detentas, incitada por um dos guardas, até a grande rebelião, o público se vê bastante impotente diante dos absurdos vistos na tela. E toda a tensão construída em seus 11 primeiros episódios chega ao clímax no penúltimo capítulo (chamado “Animais”). Em uma tentativa de acabar com um protesto pacífico, os guardas perdem o controle e acabam, acidentalmente, matando uma prisioneira sufocada.
A decisão de matar determinada personagem é o grande trunfo da temporada, já que, aparentemente, ela não precisava morrer. Porém, quando a série nos lembra de que todo aquele horror realmente existe em prisões da vida real, o público leva um choque ao compreender toda a vulnerabilidade da situação. Não somente a referida cena é extremamente importante para o movimento “Black Lives Matter”, como é executada de tal forma que o público se vê bastante fragilizado diante dos acontecimentos, algo extremamente necessário para receber o último episódio, que encerra a temporada de forma emblemática e brutal.
A estrutura da série continua a mesma, com os flashbacks sempre muito bem retratados. No quarto ano ficamos sabendo mais sobre personagens como a instável Lolly (Lori Petty), a bela Maritza (Diane Guerrero) e a incrível Flores (Laura Gómez). Há, ainda, uma trama sobre um assassinato dentro do presídio, que até certo ponto é forçada, mas ajuda a criar uma tensão interessante. Porém, o mais brilhante é perceber que Orange Is the New Black sempre soube para onde queria ir e qual história estava nos contando. Dessa forma, utilizou três temporadas para que nos envolvêssemos com todos os dramas e nos afeiçoássemos a cada uma daqueles mulheres.
Orange Is the New Black agora nos lembra que é uma série sobre uma prisão, um lugar capaz de derrubar e arrancar qualquer fio de humanidade possível, tanto daqueles que “moram” lá quanto daqueles que trabalham no mesmo ambiente. Com isso, a série mostra que não é uma reunião de mulheres engraçadas esperando cumprir sua pena, nem ao menos uma festa do pijama. É uma história brutal, crua e sufocante. A música de abertura, então, nunca fez tanto sentido para o atual momento de OITNB. Composta por Regina Spektor, a letra retrata o sentimento de cada uma das personagens e o desespero do público: “Os animais, os animais/ Presos, presos, presos / até a gaiola ficar cheia”.
Quarta temporada de ‘Orange is the New Black’ é muito irregular
Por Alejandro Mercado
Já não é de hoje que muito se discute a respeito de Orange is the New Black e todas as novas possibilidades que a série da Netflix trouxe à TV. Centrada em personagens mulheres fortes e complexas, abordando temáticas caras às mulheres, a série foi ganhando espaço ao ponto de ser um dos programas mais transgressores da atualidade. Em contrapartida, sua protagonista nunca empolgou o público de verdade. Enquanto algumas correntes dizem que isso é proposital para que Piper Kerman contasse mais suas impressões do que fosse o eixo central da história (afinal, é baseado no livro de sua experiência enquanto presidiária), outras correntes afirmam que a equipe responsável pela construção da personagem não conseguiu criar uma Piper interessante.
As condições subumanas a que as personagens são submetidas na segunda metade da quarta temporada teriam dado bons argumentos para toda ela, mas só são aproveitados nos últimos 7 episódios.
Defensor que sou da segunda corrente, sempre enxerguei em Orange is the New Black, ou OITNB, a força de seus subtextos e das coadjuvantes, o que tornava, por exemplo, a terceira temporada muito forte, ainda que a trama envolvendo Norma (Annie Golden) não tivesse convencido e tampouco a história das calcinhas de Piper (Taylor Schilling). Mesmo assim, a terceira temporada terminou cheia de tensão e expectativa, e mesmo Piper havia recuperado um pouco de seu protagonismo, ainda que não da forma como o público gostaria (ou imaginava).
A prisão de Burset (Laverne Cox), o desfecho desse novo momento de Piper e Litchfield em uma nova era criaram a certeza de que a quarta temporada seria repleta de emoções. Ledo engano. Podemos dividi-la em duas etapas. A primeira vai até o episódio 6: Piper volta a tornar-se um personagem frágil, desinteressante, repleto de momentos claramente criados para evocar empatia entre o público e ela. Mesmo as subtramas não tiveram força ou relevância no contexto geral destes primeiros episódios de OITNB. É como se os produtores tivessem posto a audiência em banho-maria, cozinhando em fogo lento para o que viria na “segunda metade”, que inicia a partir do episódio 7.
Acontece que do sétimo episódio até o derradeiro décimo terceiro somos bombardeados com as personagens vivendo situações limites, o recurso de roteiro chamado cliffhanger. O que se passa é a possibilidade de ver isso sob duas óticas: a de que permite aprofundar o debate sobre questões pertinentes ao programa; e a de que isso apenas funciona como um recurso sensacionalista, utilizado para gerar comoção e prender a audiência frente à tela. Diria que é um misto destas duas. As condições subumanas a que as personagens são submetidas na segunda metade da quarta temporada teriam dado bons argumentos para toda ela, mas só são aproveitados nos últimos 7 episódios.
Assim, cada um deles passa a levar o espectador (e suas personagens) a situações extremas, criando uma sensação de desconforto, de choque, de letargia, deixando o público perplexo, mas não necessariamente sugerindo uma reflexão sobre o que se vê na tela. Perdeu-se uma boa oportunidade para Orange is the New Black continuar fazendo as vezes de intermediário na discussão sobre o universo feminino e carcerário, ainda que o clímax tenha chegado (tardiamente) através da questão racial, tão latente nos Estados Unidos de 2016. Apenas a forma em que foi inserido soou artificial, forçada, novamente uma estratégia para criar o gancho para sua quinta temporada.
Não dá para dizer que a série se tornou ruim, pelo contrário. Mas a irregularidade de sua quarta temporada deixou a sensação de que dava para fazer mais – e melhor.